terça-feira, 25 de março de 2008

464 CARTA DO CHEFE SEATTLE

Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar nem do brilho das águas, como é possível comprá-los?.

Cada pedaço desta terra é sagrado para o meu povo. Cada brilhante mata de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada inseto é sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças dos Homens Vermelhos. Os mortos do Homem Branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar nas estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do Homem Vermelho.

Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do cavalo e do homem - todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.

O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil.

Esta terra é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.

Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.

Sabemos que o Homem Branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e, quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devora a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. Só de ver as suas cidades entristecem- se os olhos do Homem Vermelho. Talvez seja porque o Homem Vermelho é um selvagem e não compreende nada.

Não existe um lugar tranqüilo nas cidades do Homem Branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o grito solitário de uma ave nem as discussões noturnas das rãs nas margens de uma lagoa? Sou um Homem Vermelho e não compreendo. Nós preferimos o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, assim como o cheiro desse mesmo vento, purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado pelo aroma dos pinheiros.

O ar tem um valor inestimável para o Homem Vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem…

O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao Homem Branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o Homem Branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados. Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o Homem Branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outro modo de vida. Vi milhares de búfalos apodrecendo nas planícies, abandonados pelo Homem Branco que os alvejou da janela de um trem ao passar.

Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos. Que seria do homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão espiritual. Pois o que suceder com os animais, breve sucederá ao homem. Tudo está ligado.

Vocês devem ensinar às suas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.

Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer à rede da vida, ele o faz a si próprio.Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala com ele de amigo para amigo, fica isento do destino comum.

Por fim, talvez sejamos irmãos. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o Homem Branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que o possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual para o Homem Vermelho e para o Homem Branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos. Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta Terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a Terra e sobre o Homem Vermelho.

Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnadas do cheiro de muitos homens e a visão dos morros obstruída por fios que falam.

Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.

Portanto consideraremos sua oferta de comprar a terra. Se concordarmos será para assegurarmos a reserva que vocês prometeram. Lá, talvez, poderemos sobreviver nossos derradeiros dias como desejamos. Quando o último homem vermelho desaparecer desta terra, e sua memória for apenas a sombra de uma nuvem se movendo sobre a pradaria, estas praias e florestas ainda estarão mantendo os espíritos de meu povo.

Pois meu povo ama esta terra como o recém-nascido ama a batida do coração de sua mãe. Portanto se lhes vendermos nossa terra, procurem dar amor a ela assim como nos a amamos. “

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