sexta-feira, 14 de setembro de 2007

181 BARDO THODOL

Por Timothy Leary, Ralph Metzner, & Richard Alpert.

Sidpa Bardo (Terceiro Bardo) O Período da Reentrada Introdução
Se, no Segundo Bardo, o viajante for incapaz de agarrar o conhecimento de que as visões pacíficas e coléricas são projeções de sua própria mente, mas ficar atraído ou assustado por uma ou mais delas, ele entrará no Terceiro Bardo. Neste período ele luta para retornar à realidade rotineira e ao seu ego; os tibetanos o chamam de Bardo da “busca do renascimento”. É o período no qual a consciência faz a transição da realidade transcendente à realidade da vida desperta ordinária. Os ensinamentos deste manual são da maior importância se deseja-se fazer uma reentrada pacífica e esclarecida e evitar que esta seja violenta ou desagradável.
No Bardo Thodol original o objetivo dos ensinamentos é a “libertação”, isto é, livrar-se do ciclo de renascimento e morte. Interpretado esotericamente, isto significa que o objetivo é permanecer no estado de perfeita iluminação e não voltar à realidade do jogo social.Somente pessoas de desenvolvimento espiritual extremamente avançado são capazes de fazer isso, exercendo o Princípio da Transferência no momento da ego-morte. Para as pessoas médias que embarcam numa viagem psicodélica, o retorno ao jogo realidade é inevitável. Tais pessoas podem e devem usar esta parte do manual para os seguintes propósitos:
(1) para livrarem-se das armadilhas do Terceiro Bardo;
(2) para prolongar a sessão, assegurando assim um grau máximo de iluminação;(3) par selecionar uma reentrada favorável, isto é, voltar numa personalidade pós-sessão mais sábia e pacífica.
Embora não se possa estimar ao certo o tempo, os tibetanos estimam que perto de 50% de toda a experiência psicodélica é passada no Terceiro Bardo para a maioria das pessoas normais. Às vezes, como indicado na Introdução, pode-se ir direto ao período de reentrada se a pessoa não estiver preparada para as experiências de ego-perda dos dois primeiros Bardos ou se assustar-se com elas.
Os tipos de reentradas feitas podem colorir profundamente as atitudes e sentimentos subseqüentes da pessoa em relação a si mesma e ao mundo, por semanas ou até meses. Uma sessão predominantemente negativa e cheia de medo ainda pode ser uma grande vantagem e muito pode ser aprendido dela, contanto que a reentrada seja positiva e altamente consciente. Inversamente, uma experiência feliz e revelatória pode tornar-se sem valor por um reentrada negativa ou temerosa.
As instruções chave do Terceiro bardo são:
(1) não faça nada, permaneça calmo(a), passivo(a) e relaxado(a), não importa o que aconteça; e
(2) perceba onde você está. Se não perceber, você será dirigido(a) pelo medo e fará uma reentrada prematura e desfavorável.
Somente por essa percepção você pode manter esse estado de concentração calma e passiva necessária para uma reentrada favorável. Este é o porquê de tantos pontos de reconhecimento terem sido dados. Se você falhar em um, é sempre possível que até o final você tenha sucesso em outro. Portanto, esses ensinamentos devem ser lidos cuidadosamente e bem lembrados.
Nas seções seguintes algumas das experiências características do Terceiro Bardo são descritas. Na parte IV são dadas instruções apropriadas para cada seção. Nesse estágio, em uma sessão psicodélica, geralmente o viajante é capaz de dizer verbalmente ao guia o que está experienciando, e então as seções apropriadas podem ser lidas. Um guia sábio normalmente consegue sentir a natureza precisa da luta sem palavras do ego. Normalmente, o viajante não experienciará todos esses estados, mas apenas um ou alguns deles; ou às vezes o retorno à realidade pode dar voltar completamente novas e não-usuais. Em tal caso as instruções gerais para o Terceiro Bardo devem ser enfatizadas.
TERCEIRO BARDO:
INSTRUÇÕES PRELIMINARES.
I. Descrição Geral do Terceiro Bardo
Normalmente, a pessoa desce, passo a passo, a estados mais baixos (mais constritos) da consciência. Cada passo abaixo pode ser precedido de um desmaio desconsciente. Ocasionalmente a descida pode ser súbita, e a pessoa achará a si mesma sacudida de volta a uma visão da realidade que, por contraste das fases precedentes, parece enfadonha, estática, dura, angular, feia e com jeito de marionete. Tais mudanças podem induzir medo e ela pode lutar desesperadamente para retornar à realidade familiar. Ela pode ficar presa a perspectivas irracionais ou mesmo bestiais que então dominam toda a sua consciência. Esses elementos primitivos e tacanhos originam-se de aspectos da sua própria história pessoal que são normalmente reprimidos. A consciência mais esclarecida dos dois primeiros Bardos e os elementos civilizados da vida desperta são postos de lado em favor de poderosos impulsos, obsessivos e primitivos, que são de fato apenas partes instintivas apagadas da personalidade total do viajante. A sugestionabilidade da consciência do Bardo faz com que elas pareçam todo-poderosas e insuportáveis.
Por outro lado, o viajante também pode sentir que possui poderes sobrenormais de percepção e movimento, que pode executar milagres, façanhas extraordinárias de controle corporal etc. O livro tibetano definitivamente atribui faculdades paranormais à consciência do viajante do bardo e as explica como sendo devidas ao fato de a consciência do Bardo abranger elementos futuros assim como passados. Daí a clarividência, telepatia, PES etc. São ditas possíveis. Evidências objetivas não indicam se essa sensação de perceptividade aumentada é real ou ilusória. Portanto, deixamos esta questão em aberto, para ser decidida por evidências empíricas.
Este é o primeiro ponto de reconhecimento do Terceiro bardo. A sensação de percepção e desempenho sobrenormais. Assumindo que isso seja válido, o manual adverte o viajante a não ficar fascinado por seus poderes, e a não exercê-los. Na prática iogue, os mais avançados dos lamas ensinam os discípulos a não buscar poderes psíquicos desta natureza por interesse próprio; pois até que o discípulo seja moralmente capaz de usá-los sabiamente, eles se tornam um impedimento sério ao seu mais alto desenvolvimento espiritual. E até que a natureza egoísta do homem, envolta em jogos, esteja completamente dominada, não é seguro usá-los.Um segundo sinal da existência do Terceiro bardo são experiências de pânico, tortura e perseguição. Elas distinguem-se das visões coléricas do Segundo bardo no que parecem definitivamente envolver o próprio “ego enclausurado por pela” da pessoa. Pode-se ter alucinações de vultos manipuladores, controladores da mente e demônios de aspecto horrível. A forma que tomam esses demônios torturadores dependerá do background cultural da pessoa. Onde os tibetanos vêem demônios e bestas de grandes presas, um ocidental pode ver maquinário impessoal de trituração, ou aparelhos de despersonalização e controle de diferentes variedades futurísticas. Visões da destruição do mundo, morte ao modo da ficção espacial, e alucinações de ser-se engolfado por poderes destrutivos também virão; e sons do aparato de controle da mente, da “maquina de neblina da debulhadora”[18], dos equipamentos que movem o cenário do show de marionetes, de raivosos mares transbordantes, e de fogo crepitante e ventos ferozes soprando, e de gargalhada jocosa.
Quando esses sons e visões vierem, o primeiro impulso será fugir de medo deles, não importando para onde se vá, desde que vá-se embora. Em experiências de drogas psicodélicas, a pessoa pode nesse momento implorar ou exigir ser trazida “de volta disso” por meio de antídotos e tranqüilizantes. A pessoa pode ver-se prestes a cair em profundos e assustadores precipícios. Eles simbolizam as assim chamadas paixões más que, com drogas narcóticas, escravizam e obrigam a humanidade à existência em redes-de-jogos (sangsara): raiva, luxúria, estupidez, orgulho ou egoísmo, ciúme e poder controlador. Tais experiências, do mesmo modo que as anteriores de poder aumentado, devem ser consideradas fatores de reconhecimento do Terceiro Bardo. Não se pode nem fugir da dor nem perseguir o prazer. Reconhecimento é tudo o que é necessário – e o reconhecimento depende da preparação.
Um terceiro sinal é um tipo de vagar irrequieto e infeliz que pode ser puramente mental ou envolver movimento físico. A pessoa sente-se como que levada por ventos (ventos do carma) ou manobrada mecanicamente. Podem haver breves pausas em certos lugares ou cenários no mundo humano “ordinário”. Como uma pessoa viajando sozinha à noite numa rodovia, tendo sua atenção atraídas por pontos de referência proeminentes, grandes árvores isoladas, casas, postes, templos, barraquinhas de cachorro quente etc., a pessoa no período de reentrada tem experiências similares. Ela pode exigir retornar aos redutos familiares no mundo humano. Mas cada evento exterior é temporário e logo o vagar irrequieto recomeçará. Pode vir um desejo desesperado de telefonar ou contatar de alguma forma a família, o seu médico, os amigos e apelar-lhes que lhe tirem desse estado. Deve-se resistir ao desejo. O guia e os colegas viajantes podem ser a melhor assistência. Não deve-se tentar envolver os outros no seu mundo alucinatório. A tentativa falhará de qualquer modo, uma vez que quem está de fora é geralmente incapaz de entender o que está acontecendo. Novamente, simplesmente reconhecer esses desejos como manifestações do Terceiro Bardo já é o primeiro passo rumo à libertação.
Uma quarta experiência, mais comum, é a seguinte: a pessoa pode sentir-se estúpida e cheia de pensamentos incoerentes, uma vez que todos os demais parecem ser perfeitamente cúmplices e sábios. Isto leva a sentimentos de culpa e inadequação e na forma extrema à Visão do Julgamento, descrita a seguir. Esse sentimento de estupidez é meramente o resultado natural da perspectiva limitada sob a qual a consciência está operando neste Bardo. Aceitação calma e relaxada fará com que o viajante seja capaz de libertar-se neste ponto.
Uma outra experiência, o quinto fator de reconhecimento, que é especialmente impressionante quando ocorre subitamente, é a sensação de estar morto(a), apartado(a) da vida ao redor, e cheio(a) de tristeza. A pessoa pode acordar com uma sacudidela de algum desmaio estuporante e experienciar a si mesma e aos outros como robôs sem vida, fazendo gestos amadeirados sem sentido. Ela pode sentir que nunca voltará e lamentará por seu estado miserável.
Novamente, tais fantasias devem ser reconhecidas como a tentativa do ego de recuperar o controle. No estado verdadeiro de ego-morte, como ocorre no Primeiro ou Segundo Bardos, tais queixas não são feitas jamais.
Sexto, pode-se ter a sensação de estar-se oprimido(a) ou esmagado(a) ou espremido(a) em rachaduras e fendas entre rochas e pedregulhos. Ou a pessoa pode sentir que um tipo de rede metálica ou de gaiola podem prendê-la. Isto simboliza a tentativa prematura de entrar num ego-robô que é inadequado ou não-equipado para interagir com a consciência expandida. Portanto, deve-se relaxar o desejo apavorado de recuperar um ego.Um sétimo aspecto é um tipo de luz cinza com jeito de crepúsculo banhando tudo, que está em contraste com as luzes e cores brilhantemente radiantes dos estágios anteriores da viagem. Os objetos, ao invés de brilhar, luzindo e vibrando, são agora sombriamente coloridos, surrados e angulares. As passagens contêm instruções gerais para o estado do Terceiro Bardo e seus fatores reconhecíveis. Qualquer ma ou todas as passagens podem ser lidas quando o guia sentir que o viajante estiver começando a voltar ao ego.
II. Visões de Reentrada
Na seção precedente os sintomas da reentrada foram descritos, os sinais de que o viajante está tentando recuperar seu ego. Nesta seção são descritas visões dos tipos de reentrada que se pode fazer.O manual tibetano concebe o viajante retornando finalmente a um dos seis mundos do jogo existência (sangsara). Ou seja, a reentrada no ego pode ter lugar em seis níveis, ou como um dos seis tipos de personalidade: dois desse são mais elevados que o humano normal, três são mais baixos. O nível mais elevado, mais iluminado, é aquele dos devas, que são o que os ocidentais chamam santos, sábios ou professores divinos. São as mais esclarecidas pessoas caminhando sobre a terra. O Gautama Buda, Lao Tsé, Cristo. O segundo nível é aquele dos asuras, que podem ser chamados titãs ou heróis, pessoas com um grau de poder e visão a mais que o humano. O terceiro grau é aquele da maioria dos seres humanos normais, lutando contra redes de jogos, ocasionalmente se libertando. O quinto nível é aquele das encarnações primitivas e animalísticas. Nesta categoria temos o cão e o gato, símbolos da hipersexualidade concomitante com ciúmes; o porco, simbolizando a estupidez lasciva e a sujidade; a formiga industriosa e acumuladora; o inseto ou verme significando uma disposição baixa ou terrena; a serpente, transmitindo raiva; o macaco, cheio de alvoroçada força primitiva; o “lobo da estepe” a grunhir; o passarinho, voando livremente. Muitos mais poderiam ser enumerados. Em todas as culturas do mundo as pessoas têm adotado identidades na forma de animais. Na infância e nos sonhos este é um processo familiar a todos. O quinto nível é o dos espíritos sem vida, frustrados e neuróticos, sempre a perseguir desejos insatisfeitos; o sexto ou mais baixo nível é o inferno ou psicose. Menos de um por cento das experiências de ego-transcendência terminam em santidade ou psicose. A maioria das pessoas retorna ao nível humano normal.De acordo com o Livro Tibetano dos Mortos, cada um dos seis mundos de jogo, ou níveis de existência está associado com um tipo característico de escravidão, do qual as experiências de não-jogos dão liberdade temporária:
(1) a existência como um deva, ou santo, embora mais desejável que as outras, é simultânea com um ciclo periódico interminável de prazeroso êxtase livre de jogos;
(2) a experiência como asura, ou titã, é simultânea com combates heróicos incessantes;
(3) incapacidade e escravidão são características da existência animal;
(4) tormentos de necessidades e desejos insatisfeitos são característicos da existência dos pretas, ou espíritos infelizes;
(5) os impedimentos característicos da existência humana são a inércia, a ignorância presunçosa, desvantagens físicas ou fisiológicas, entre outras.
De acordo com o Bardo Thodol, o nível um é distinto por ser determinado pelo carma. Durante o período do Terceiro Bardo, sinais e visões premonitórios de diferentes níveis aparecem, aquele para o qual se está prestando atenção aparece mais claramente. Poe exemplo, o viajante pode sentir-se cheio de poder como que divino (asuras), ou pode sentir-se excitado por impulsos primitivos ou bestiais, ou pode experimentar a frustração dos infelizes neuróticos, ou tremer ante as torturas do inferno criado por si mesmo.
As chances de fazer uma reentrada favorável aumentam se deixa-se o processo seguir seu próprio curso natural, sem esforço ou luta. Deve-se evitar perseguir ou fugir de qualquer uma das visões, porém meditar calmamente sobre o conhecimento de que todos os níveis existem no Buda, também.
Pode-se reconhecer e examinar os sinais assim que eles aparecerem e aprender um bocado sobre si mesmo num tempo bem curto. Embora seja imprudente lutar contra ou fugir das visões que vêm neste período, são feitas para ajudar o viajante a recuperar a transcendência do Primeiro Bardo. Desta maneira, se a pessoa achar-se prestes a retornar a uma personalidade ou a um ego que ela julgue inapropriados a seu novo conhecimento acerca de si mesma, ela pode, segundo as instruções, evitar isso e fazer uma reentrada legal.
III. A Influência Todo-Determinante do Pensamento
A libertação pode ser obtida, por tal confrontação, mesmo que não pudesse anteriormente. Se, entretanto, a libertação não é obtida mesmo depois dessas confrontações, aplicação adicional continuada é essencial. Caso você sinta apego por posses materiais, por velhos jogos e atividades, ou se você sentir algo assim porque outras pessoas ainda estão envolvidas em passatempos aos quais você renunciou, isso afetará o balanço psicológico de tal maneira que mesmo se destinado(a) a retornar num nível mais elevado. Você na verdade reentrará num nível inferior no mundo de espíritos insatisfeitos (neurose). Por outro lado, mesmo se você sentir apego pelos scripts mundanos aos quais renunciou, você não será capaz de interpretá-los, e eles não lhe serão úteis. Portanto, abandone a fraqueza e o apego a eles; livre-se deles totalmente; renuncie de coração a eles. Não importa quem possa estar aproveitando as suas posses, ou tomando o seu papel, não tenha sentimentos de mesquinhez e ciúmes, mas esteja preparado para renunciar a eles de boa vontade. Pense que você os está ofertando à sua divindade interior e à sua consciência expandida. Atenha-se ao sentimento de desapego, destituído de fraqueza e ânsia.
Novamente, quando as atitudes de outros membros da sessão forem erradas, descuidadas, desatentas ou distraídas, quando o acordo ou o contato se quebrarem, e quando a pureza de intenção for perdida por algum participante, e a frivolidade e a negligência tomarem lugar (tudo isso pode ser visto claramente pelo viajante do Bardo) você pode sentir falta de fé e começar a duvidar se suas crenças. Você será capaz de perceber qualquer medo ou ansiedade, quaisquer ações egoístas, condutas egocêntricas ou comportamentos manipuladores. Você pode pensar: “Ei! Eles estão me enganando, trapacearam.” Se você pensar assim, ficará extremamente deprimido(a), e devido a um grande ressentimento você adquirirá descrença e falta de fé, em vez de afeição e sincera confiança. Se isto afetar o balanço psicológico, a reentrada far-se-á certamente num nível desagradável. Tal pensamento não somente não terá utilidade nenhuma, como fará um grande mal. Embora impróprio o comportamento de outro, pense assim: “O quê? Como podem as palavras do Buda serem inapropriadas? É como o reflexo das manchas no meu próprio rosto que vejo no espelho; meus próprios pensamentos devem ser impuros. Como para os outros, elas (palavras) são nobres no corpo, santas na fala, e o Buda está dentro delas: seus atos são lições para mim.”Assim pensando, tenha confiança em seus companheiros e exerça amor sincero em relação a eles. Então o que quer que ele façam será em seu benefício. O exercício desse amor é muito importante; não se esqueça disto!
Novamente, mesmo se você estiver destinado(a) a retornar num nível inferior e já estiver indo em direção àquela existência, devido aos bons feitos de amigos, parentes, participantes, professores eruditos que devotam a si mesmos de todo o coração ao desenvolvimento correto dos rituais de benefício, o deleite proveniente do seu grande entusiasmo ao vê-los, por sua própria virtude, afetará de tal forma o balanço psicológico que embora dirigindo-se para baixo, você pode ainda chegar a um nível mais elevado e feliz. Portanto, você não deve criar pensamentos egoístas, mas exercer a afeição pura e a fé sincera em relação a todos, imparcialmente. Isto é altamente importante. Então, seja extremamente cuidadoso(a).
INSTRUÇÕES PARA A TODO-DETERMINANTE INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO são úteis em qualquer fase do Terceiro Bardo, mas particularmente se o viajante estiver reagindo com suspeita ou ressentimento em relação a outros membros do grupo, ou a seus próprios amigos e parentes.
IV. Visões do JulgamentoA visão do julgamento pode vir: o jogo de culpa do Terceiro Bardo. “Seu gênio bom contará seus bons feitos com seixos brancos, o gênio mal contará os maus feitos com seixos negros.” Uma cena de julgamento é parte central de muitos sistemas religiosos, e a visão pode assumir diversas formas. É mais provável que os ocidentais a vejam na bem conhecida versão cristã. Os tibetanos dão uma interpretação psicológica a esta bem como a todas as demais visões. O Juiz, o Senhor da Morte, simboliza a própria consciência em seu aspecto severo de imparcialidade e amor pela integridade. O “Espelho do Carma” (o Livro cristão do Julgamento), consultado pelo Juiz, é a memória. Diferentes partes do ego virão à frente, algumas oferecendo desculpas pouco convincentes para enfrentar acusações, e outras atribuindo motivos a vários feitos, contando feitos aparentemente neutros entre os negros; outras ainda oferecerão justificativas ou pedirão perdão. O espelho da memória reflete claramente; mentiras e subterfúgios não ajudarão. Não se assuste, não conte mentiras, encare sem medo a verdade.
Agora você pode imaginar-se cercado(a) por vultos que desejam atormentá-lo(a), torturá-lo(a) ou ridicularizá-lo(a) (as “Fúrias Executoras do Robótico Senhor da Morte”). Essas figuras impiedosas podem ser interiores ou envolver as pessoas ao seu redor, vistas como impiedosas, jocosas e superiores. Lembre-se de que o medo e a culpa, a perseguição e as figuras jocosas são suas próprias alucinações. Sua própria máquina de culpa. Sua personalidade é uma coleção de padrões de pensamento e vazio. Não pode ser ferida. “Espadas não podem perfurá-la, o fogo não pode queimá-la.” Liberte-se de suas próprias alucinações. Na realidade, não existem coisas tais quais o Senhor da Morte, ou um deus ou demônio ou espírito distribuidores da justiça. Aja de forma a reconhecer isto. Reconheça que você está no Terceiro Bardo. Medite sobre seu símbolo ideal. Se você não sabe como meditar, então apenas analise com grande cuidado a natureza real do que o(a) está assustando. A “Realidade” não é nada além de vazio (Dharma-Kaya). Esse vazio não é do vazio da nulidade, mas um vazio na natureza verdadeira na qual você sente-se impressionado(a), e ante a qual sua consciência brilha mais clara e lucidamente. [Este é o estado da mente conhecido como “Sambhoga-Kaya.” Neste estado, você experiencia, com intensidade insuportável, Vazio e Brilho inseparáveis – o brilho por natureza do Vazio e o Brilho inseparável do Vazio – um estado da consciência não-modificada ou primordial, que é Adi-Kaya. E a força desta, brilhando desobstruidamente, irradiará por toda a parte; é a Nirmana-Kaya. Isto refere-se aos Ensinamentos de Sabedoria fundamentais do bardo Thodol. Em todos os sistemas tibetanos de ioga, a realização do Vazio é o grande objetivo. Realizá-lo é alcançar o Dharma-Kaya incondicionado, ou “Corpo Divino da Verdade”, o estado primordial da natureza não-criada da Toda-Consciência sobre-humana. O Dharma-Kaya é o mais elevado dos três corpos do Buda e de todos os budas e seres que tem o perfeito esclarecimento. Os outros dois corpos são o Sambhoga-Kaya ou “Corpo Divino da Perfeita Doação” e o Nirmana-Kaya ou “Corpo Divino da Encarnação”. Adi-Kaya é sinônimo de Dharma-Kaya. O Dharma-Kaya é primordial, Sabedoria Essencial sem forma; é a experiência verdadeira livre de todo erro ou obscurecimento inerente ou acidental. Inclui o Nirvana e o Sangsara, que são estados polares da consciência, mas idênticos no reino da consciência pura. O Sambhoga-Kaya, corporifica, como nos cinco Dhyani Budas, Sabedoria Refletida ou Modificada; e o Nirmana-Kaya corporifica, como nos Budas Humanos, a Sabedoria Prática ou Encarnada. Todos os seres esclarecidos renascem neste ou em outros mundos com consciência plena, como trabalhadores pelo melhoramento das suas criaturas semelhantes, são chamados de encarnados Nirmana-Kaya. O Lama Kazi Dawa-Samdup, o tradutor do Bardo Thodol, considera que o Adi-Buda, e todas as deidades associadas com o Dharma-Kaya não devem ser considerados como deidades pessoais, mas como personificações das força, leis e influências espirituais primordiais e universais. “No panorama sem fronteiras do universo existente e visível, quaisquer formas que apareçam, quaisquer consciências que conjeturem, todos são o jogo da manifestação no Tri-Kaya, o Princípio Triplo da Causa de Todas as causas, a Trindade Primordial. Cobrindo tudo, está a Essência Todo-Impregnante do espírito, que é a Mente. Ela é não-criada, impessoal, auto-existente, imaterial e indestrutível”. A Tri-Kaya é a trindade esotérica e corresponde à trindade exotérica de Buda, as Escrituras e o Clero (ou a sua própria divindade, este manual e seus companheiros).
Se o viajante estiver lutando com alucinações de culpa e penitência, as INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES DO JULGAMENTO podem ser lidas.
V. Visões Sexuais
Visões sexuais são extremamente freqüentes no terceiro bardo. Você pode imaginar machos e fêmeas copulando. [De acordo com Jung (“Comentário Psicológico” ao Livro tibetano dos Mortos, edição de Evans-Wentz, p. XIII), “a teoria de Freud é a primeira tentativa feita no ocidente para investigar, como que a partir de baixo, a partir da esfera animal do instinto, o território psíquico que corresponde no Lamaísmo Tântrico ao Sidpa Bardo.” A visão aqui descrita, na qual a pessoa vê mãe e pai em intercurso sexual, corresponde ao “cenário primal” na psicanálise. Neste nível, então, começamos a ver uma notável convergência das psicologias oriental e ocidental. Note também a correspondência exata da teoria psicanalítica do Complexo de Édipo.
Esta visão pode ser interior ou envolver as pessoas ao seu redor. Você pode ter alucinações de orgias multipessoais e experimentar tanto desejo quanto vergonha, atração e repugnância. Você pode perguntar-se sobre que performance sexual é esperada de você e ter dúvidas acerca de sua capacidade de desempenhá-la nesse momento.Quando as visões ocorrerem, lembre-se de apartar-se da ação ou do apego. Tenha fé e flutue gentilmente com o fluxo. Confie na unidade da vida e em seus companheiros.Se você tentar entrar no antigo ego porque está atraído ou sentindo repulsa, se você tentar juntar-se ou escapar da orgia que está alucinando, você reentrará num nível animal ou neurótico. Se você ficar cônscio da “virilidade”, ódio em relação ao pai, juntamente com ciúmes em relação à mãe serão experimentados; se você se tornar cônscia da “feminilidade”, ódio da mãe juntamente com atração e carinho pelo pai serão experimentados.
Talvez seja dispensável dizer que este tipo de sexualidade auto-centrada tem pouco em comum com a sexualidade das experiências transpessoais. União física pode ser uma manifestação da união cósmica.
Visões de união sexual podem às vezes ser seguidas por visões da concepção – você pode realmente ver o esperma se unido ao óvulo –, da vida intra-uterina e do nascimento a partir do útero. Algumas pessoas dizem ter revivido seu próprio nascimento físico em sessões psicodélicas e ocasionalmente foram postas evidências confirmando essas alegações. Se é assim ou não é uma questão a ser deixada para ser decidida por evidências empíricas. Às vezes as visões do nascimento serão claramente simbólicas – por exemplo, emersão de um casulo, sair de uma concha etc. Se a visão do nascimento é construída da memória ou se da fantasia, o viajante deve tentar reconhecer os sinais indicadores do tipo de personalidade que está renascendo.
VI. Métodos de Prevenção da ReentradaEmbora muitas confrontações e pontos de reconhecimento tenham sido dados, a pessoa pode estar despreparada e ainda vagar de volta ao jogo realidade. É vantajoso adiar o retorno tanto quanto possível, maximizando assim o grau de esclarecimento na personalidade subseqüente. Por esta razão, quatro métodos meditativos soa dados para prolongar o estado de ego-perda. São eles (1) meditação sobre o Buda ou o guia; (2) concentração em bons jogos; (3) meditação sobre a ilusão; (4) meditação sobre o vazio. Veja os QUATRO MÉTODOS DE PREVENÇÃO DA REENTRADA. Cada um tenta levar o viajante de volta ao fluxo central de energia do Primeiro Bardo do qual ele foi separado por envolvimentos com jogos. Poe-se perguntar como esses métodos meditativos, que parecem difíceis à pessoa ordinária, podem ser eficazes. A resposta dada no Bardo Thodol Tibetano é que devido à sugestionabilidade aumentada e à abertura da mente no estado psicodélico esses métodos podem ser usados por qualquer um, a despeito da capacidade intelectual ou da proficiência em meditação.
VII. Métodos de escolha de Personalidade Pós-Sessão
Escolher o ego pós-sessão é uma arte extremamente profunda e não deve ser tentada descuidada ou apressadamente. Não deve-se voltar fugindo dos atormentadores alucinatórios. Tal reentrada tenderá a trazer a pessoa a um dos três níveis inferiores. Deve-se primeiro banir o medo por meio da visualização de uma figura protetora particular ou do Buda; então escolha cama e imparcialmente. O conhecimento disponível ao viajante deve ser usado para fazer uma escolha sábia. Na tradição tibetana cada um dos níveis do jogo-existência está associado com uma cor particular e também com certos símbolos geográficos. Estes podem ser diferentes para ocidentais do século XX. Cada pessoa tem que aprender a decifrar seu próprio mapa rodoviário interior. Os indicadores tibetanos podem ser usados como um ponto de partida. A proposta é clara: deve-se seguir os sinais dos três tipos mais elevados e afastar-se daqueles dos três inferiores. Deve-se seguir a luz e as visões prazerosas e afastar-se das monótonas e da escuridão.Diz-se do mundo dos santos (devas) que brilha com uma luz branca e é precedido por visões de templos encantadores e mansões ajoalhadas. O mundo dos heróis (asuras) tem uma luz verde e é assinalado por imagens de florestas mágicas e fogo. O mundo humano ordinário tem uma luz amarela. A existência animal é anunciada por uma luz azul e imagens de cavernas e buracos fundos na terra. O mundo dos espíritos neuróticos ou insatisfeitos tem uma luz vermelha e visões de planícies desoladas e ermos florestais. O mundo infernal emite uma luz cor de fumaça e é precedido por sons de gemidos, visões de terra sombrias, casas pretas e brancas e estradas negras pelas quais você tem que viajar.Use sua prudência para escolher um bom robô pós-sessão. Não seja atraído ao seu antigo ego. Se você decidir perseguir poder, ou status, ou sabedoria, ou saber, ou servidão, ou o que quer que seja, escolha imparcialmente, sem ser atraído(a) ou repelido(a). Entre no jogo-existência de boa graça, voluntária e livremente. Visualize-o como uma mansão celestial, isto é, como uma oportunidade de exercer o jogo-êxtase. Tenha fé na proteção das divindades e escolha. A disposição de completa imparcialidade é importante já que você pode cair em erro. Um jogo que parece bom pode mais tarde tornar-se ruim. Completa imparcialidade, liberdade de desejo ou medo, asseguram que um escolha maximamente sábia será feita.Enquanto retorna você pode ver dispersar-se ante si o mundo, sua antiga vida, um planeta cheio de objetos e eventos fascinantes. Logo você estará descendo para tomar seu lugar em eventos mundanos. A chave desta viagem de volta é apenas isto: vá na boa, devagar, naturalmente. Aproveite cada segundo. Não corra. Não se apegue aos seus antigos scripts. Reconheça que você está no período de reentrada. Não volte com qualquer pressão emocional. Tudo o que você vir ou tocar pode brilhar com irradiação. Cada momento pode ser uma agradável descoberta.Aqui termina o Terceiro Bardo, o Período da Reentrada.
CONCLUSÃO GERAL
Estudantes bem preparados com avançado entendimento espiritual podem usar o princípio da “Transferência” no momento da ego-morte e não precisam atravessar os estados do Bardo subseqüentes. Eles alçarão a um estado de iluminação e permanecerão lá o tempo todo. Outros, um pouco menos experientes em disciplina espiritual, reconhecerão a serena Luz no segundo estágio do Primeiro Bardo e então alcançarão a libertação. Outros, num nível ainda menos adiantado, podem ser libertados enquanto experienciam uma das visões positivas ou negativas do Segundo Bardo. Já que há várias guinadas, a libertação pode ser obtida numa ou noutra através do reconhecimento nos momentos de confrontação. Aqueles de conecção cármica muito fraca, isto é, aqueles envolvidos em scripts ego-dominados muito agudos, terão de vagar em direção ao Terceiro Bardo. Novamente, muitos pontos de libertação foram traçados. As pessoas mais fracas cairão sob a influência da culpa e do medo. Para as pessoas mais fracas, há várias lições para prevenir a volta à realidade rotineira, ou pelo menos para escolhê-la sabiamente. Aplicando os métodos de visualização descritos, elas devem ser capazes de experimentar os benefícios da sessão. Mesmo àquelas pessoas cujas rotinas familiares são primitivas e egocêntricas pode-se prevenir que caiam na tristeza. Uma vez que tenham experimentado, mesmo que por um curto período, a grande beleza e força da consciência livre, elas podem, da próxima vez, encontrar um guia ou amigo que as iniciem mais adiante no caminho.O modo pelo qual este ensinamento é eficaz, mesmo para um viajante que já esteja no Sidpa Bardo, é o seguinte: cada pessoa tem alguns resíduos-de-jogos (carma) positivos e alguns negativos. A continuidade da consciência foi quebrada por uma ego-morte para a qual a pessoa não estava preparada. Os ensinamentos são como um borbulho d’água num bueiro quebrado, restaurando temporariamente a continuidade com o carma positivo. Como afirmado antes, a extrema sugestionabilidade ou qualidade imparcial da consciência neste estado assegura a eficácia da audição da doutrina. O ensinamento encravado neste Manual pode ser comparado a uma catapulta que pode direcionar a pessoa ao objetivo da libertação. Ou como o movimento de uma grande viga de madeira, que é tão pesada que uma centena de homens não pode carregá-la, mas que ao flutuar sobre a água pode ser facilmente movida. Ou como controlar o passo e a direção de um cavalo pelo uso de um freio. Portanto, estes ensinamentos devem ser vivamente incutidos ao viajante, de novo e de novo. Este Manual também pode ser usado mais geralmente. Deve ser recitado coma maior freqüência possível e alocado na memória tanto quanto possível. Quando a ego-morte ou a morte real vierem, reconheça os sintomas, recite o manual a si mesmo(a), e reflita sobre o seu significado. Se não puder fazer isto por si mesmo(a), peça a um amigo para lê-lo para você. Não há dúvida acerca de seu poder libertador.Ele liberta ao ser lido ou ouvido, sem necessidade de um ritual ou de meditação complexa. Este Ensinamento Profundo liberta aqueles de carma muito ruim através do Caminho Secreto. Não se deve esquecer o seu significado e as palavras, mesmo se perseguido por sete mastins. Por meio deste Seleto Ensinamento, se obtém a Budidade no momento da ego-perda. Mesmo se os Budas do passado, do presente e do futuro procurassem, eles não encontrariam qualquer doutrina que transcendesse esta.
Aqui termina o Bardo Thodol, conhecido como Livro Tibetano dos Mortos.

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