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domingo, 15 de fevereiro de 2009
971 INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS EM FREUD
Nos sonhos a categoria dos contrários e dos contraditórios são simplesmente desconsideradas. O “não” não parece existir no que diz respeito aos sonhos. Eles mostram uma preferência particular por combinar os contrários numa unidade ou por representá-los como uma só coisa. Os sonhos se sentem livres, além disso, para representar qualquer elemento por seu oposto imaginário, de modo que não há maneira de decidir, à primeira vista, se qualquer elemento que admita um contrário está presente nos pensamentos do sonho como positivo ou negativo.
A imagem onírica pode ser composta de traços visuais pertencentes, na realidade, em parte a uma pessoa e em parte à outra. Ou, ainda, a participação da segunda pessoa na imagem onírica pode estar não em seus traços visuais, mas nos gestos que atribuímos a ela, nas palavras que a fazemos pronunciar, ou na situação em que a colocamos. Nesse último caso, a distinção entre a identificação e a construção de uma figura composta começa a perder sua nitidez.
Todo sonho versa sobre o próprio sonhador. Os sonhos são inteiramente egoístas. Sempre que nosso próprio ego não aparece no conteúdo do sonho, mas somente alguma pessoa estranha, podemos presumir com segurança que nosso próprio ego está oculto, por identificação, por trás dessa outra pessoa; posso inserir nosso ego no contexto. Em outras ocasiões, quando nosso ego de fato aparece no sonho, a situação em que isso ocorre pode ensinar-nos que alguma outra pessoa jaz oculta, por identificação, por trás de nosso ego. Uma conclusão no sonho representa uma conclusão nos pensamentos oníricos.
Um afeto experimentado num sonho não é de modo algum inferior a outro de igual intensidade sentido na vida de vigília. A análise nos mostra que o material de representações passou por deslocamentos e substituições, ao passo que os afetos permaneceram inalterados. A inibição do afeto, por conseguinte, deve ser considerada como a segunda conseqüência da censura dos sonhos, tal como a distorção onírica é sua primeira consequência.
Em geral, é necessário buscar outra fonte de pensamentos do sonho, uma fonte que esteja sob a pressão da censura. Em resultado dessa pressão, essa fonte normalmente produziria, não satisfação, mas o afeto contrário. Graças à presença da primeira fonte do afeto, porém, a segunda fonte fica habilitada a subtrair do recalque seu afeto de satisfação e a permitir que ele funcione como uma intensificação da satisfação da primeira fonte. Assim, parece que os afetos nos sonhos são alimentados por uma confluência de diversas fontes e sobredeterminados em sua referência ao material dos pensamentos oníricos. Durante o trabalho do sonho, as fontes de afeto passíveis de produzir o mesmo afeto unem-se para gerá-lo.
O sonho não só apresenta as formas e facetas de resistência, mas pode tornar-se um veículo para a expressão da força que se opõe à análise. A mesma resistência que usa o sonho para absorver uma hora inteira, fornece uma variação quando atrasa a apresentação para os últimos minutos. O analista não tem por que se sentir perdido quando um sonho é relatado tardiamente demais para que possa ser abordado na sessão.
A transferência, positiva ou negativa, pode converter-se numa fonte de resistência obstinada, sendo que uma e outra podem caminhar de mãos dadas. O impulso infantil inconsciente é suscetível de dotar a transferência de uma tal intensidade que a realidade da situação analítica será completamente obliterada e a aliança terapêutica viciada. Para que o trabalho da análise progrida, uma tal transferência, com suas implicações de resistência, tem de ser interpretada sem esperar que se definam as condições ótimas. Quando a transferência toca esse rumo, o sonho pode ajudar com aviso prévio da necessidade de interpretação antes do paciente representar dramaticamente a sua última resistência, abandonando a análise (vide caso Dora).
Quanto mais o paciente aprende da prática de interpretação de sonhos, mais obscuros, geralmente, se tornam seus sonhos posteriores. Os sonhos corroborativos, sua tradução simplesmente apresenta o que o tratamento já inferiu, durante os últimos dias, do material das associações diárias, é como se o paciente houvesse sido amável o bastante para trazer, sob forma onírica, o que lhe havíamos estado “sugerindo” antes. Porém a grande maioria dos sonhos antecipa-se à análise, de maneira que, após subtrair deles tudo que já é sabido e compreendido, resta ainda uma alusão mais ou menos clara a algo que até então estivera oculto.
Uma fantasia consiste num desejo inconsciente trabalhado pela capacidade do pensamento lógico a fim de dar origem a uma expressão disfarçada e a uma satisfação imaginária do desejo pulsional. O bebê sonha com seus desejos que se tornam em fantasias de suas expressões diretas das pulsões e impulsos, pois as pulsões dão origem às fantasias. No adulto, o simples fato de fantasiar é para fugir de realidades dolorosas.
Descrevemos o elemento dos pensamentos oníricos como uma “fantasia”. O “sonho diurno” [ou devaneio] é algo análogo a fantasia na vida de vigília. O estudo das psiconeuroses leva à surpreendente descoberta de que essas fantasias ou sonhos diurnos são os precursores imediatos dos sintomas histéricos, ou pelo menos de uma série deles. Os sintomas histéricos não estão ligados a lembranças reais, mas a fantasias construídas com base em lembranças. A função de “elaboração secundária” que atribuímos ao quarto dos fatores envolvidos na formação do conteúdo dos sonhos mostra-nos em ação, mais uma vez, a atividade que consegue ter livre vazão na criação de sonhos diurnos sem ser inibida por quaisquer outras influências. Poderíamos simplificar isso dizendo que este nosso quarto fator procura configurar o material que lhe é oferecido em algo semelhante a um sonho diurno. No entanto, se um desses sonhos diurnos já tiver sido formado na trama dos pensamentos oníricos, esse quarto fator do trabalho do sonho preferirá apossar-se do sonho diurno já pronto e procurará introduzi-lo no conteúdo do sonho. Há alguns sonhos que consistem meramente na repetição de uma fantasia diurna que talvez tenha permanecido inconsciente.
Tem sido demonstrado, por pesquisadores do sono e do sonho, que todas as pessoas sonham regularmente durante todo o seu período de sono. Por isso dizermos que o “sonho é o guardião do sono”. O sonho é o fiel guardião da nossa saúde psíquica, da nossa alegria de viver, uma vez que a vida não passa, em essência, de uma contínua procura de prazer, contrariada pela realidade (Teoria do Princípio do Prazer). As pessoas que “não sonham, quando analisadas, apresentam recalques afetivos profundos. Porém quando uma pessoa, efetivamente, não sonha, é porque possui problemas estruturais graves, ou seja, são psicóticas, e por isso difícil de serem analisadas. Os sonhos acordados surgem por meio de representações, que fantasiamos à nossa maneira, segundo o curso que damos às nossas fantasias.
A única maneira pela qual podemos descrever o que acontece nos sonhos alucinatórios é dizendo que a excitação se move em direção retrocedente. Em vez de se propagar para a extremidade motora do aparelho, ela se movimenta no sentido da extremidade sensorial e, por fim, atinge o sistema perceptivo. Se descrevermos como “progressiva” a direção tomada pelos processos psíquicos que brotam do inconsciente durante a vida de vigília, poderemos dizer que os sonhos têm um caráter “regressivo”.
Nossa discussão não pode ser levada adiante sem examinarmos o papel desempenhado pelos afetos nesses processos; neste contexto, porém, só podemos fazê-lo de modo imperfeito. Assim, presumamos que a supressão do Ics. seja necessária, acima de tudo, porque, se o curso das representações no Ics. ficasse por sua própria conta, geraria um afeto que foi originalmente de natureza prazerosa, mas tornou-se desprazeroso depois de ocorrido o processo de “recalcamento”. O propósito, bem como o resultado da supressão, é impedir essa liberação de desprazer. A supressão se estende ao conteúdo de representações do Ics., já que a liberação de desprazer pode começar a partir desse conteúdo. Isso pressupõe uma suposição bastante específica quanto à natureza da geração do afeto. A característica essencial dos sonhos de punição, portanto, seria que, em seu caso, o desejo formador do sonho não é um desejo inconsciente derivado do recalcado (do sistema Ics.), mas um desejo punitivo que reage contra este e pertence ao ego, embora seja, ao mesmo tempo, um desejo inconsciente (isto é, pré-consciente).
Caso se pergunte se é possível interpretar todos os sonhos, a resposta deve ser negativa. Não se deve esquecer que, na interpretação de um sonho, tem-se como oponentes as forças psíquicas que foram responsáveis por sua distorção.
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