quarta-feira, 22 de agosto de 2007

85 BRASIL EM CHUTEIRAS

O Brasil em Chuteiras Artigo escrito e publicado em 1996, para a 2ª edição da Revista Eletrônica Ruído, quando foi dedicado a Nélson Rodrigues, Jorge de Lima, Garrincha e Denner) É de uma obviedade ululante – como diria o imortal Nélson Rodrigues – dizer que o futebol é um dos mais importantes ícones que representam esta terra – que em um determinado momento histórico foi cunhada como Brasil – e seu povo – os brasileiros. Porém, esta terra brasilis, com apenas 500 anos de colonização e/ou imposição de uma civilidade estrangeira e impetuosa, ainda se questiona acerca de sua identidade. E, com Jorge de Lima, perguntamos: “foi negro, foi índio ou foi cristão”? Quem foi que te formou Brasil, Brasil? Te vendo, com os olhos do poeta, afirmo: foi negro, foi índio e cristão! Percebemos que o que era recente, talvez imaturo, é na verdade uma ilusão. Sim, nosso complexo de vira-lata não tem razão de ser! Não tem fundamentação sangüínea nem anímica... Brasil, tu carregas o peso da tua ancestralidade. Negro, Índio e Cristão! O futuro chegou Brasil, o futuro chegou. Teu sonho de futuro – teu eterno sonho – está entrando no processo chamado realidade – é, no Brasil, até realidade é processo. E nossa alma saturada de poesia, samba e malícia, exerce no futebol, na arte do drible, do toque de bola e do gol de placa, o fim de uma crônica anunciada. O futebol brasileiro é o exercício de nossa originalidade tropical. Dentro das quatros linhas, como se estivéssemos entre quatro paredes com a mulher amada, expressamos – mais uma vez recebendo a bola de Jorge de Lima – o ventre, os olhos, o modo de amar, a língua, os modos de rir, o jeito de andar, a pele, o gozo, o coração negro, índio e cristão. O futebol brasileiro é a liberação, a transcendência radical das experiências cotidianas, da concentração de renda, do descaso público, da irresponsabilidade das elites, da falta de memória do povo, da prostituição infantil, dos Sivam, das CPIs, dos PCs, dos Joãos-ninguém-alves, dos sem-terra, dos sem-modem, da mediocridade das táticas, dos idiotas da objetividade, etc., etc., etc. Sim, o futebol é um ícone nacional. Um ícone que se construiu com os pés – santos pés! – de folclóricos brasileiros e qualquer lista ou seleção feita é injusta: craques fantásticos seriam preteridos. E, embora o óbvio logo ressalte Pelé – nosso Rei Apolíneo – num uníssono de burra unanimidade, ressaltamos nossa flecha fulniô, Garrincha – nosso Rei Dionisíaco. Ninguém como ele encarnou em campo – como na cama – o espírito livre e moleque do brasileiro. Se sua vida pode também ser considerada uma tragédia é por que, muito mais que humanas, as tragédias são divinas. Como o trovão e o relâmpago, Garrincha era uma força viva da natureza em campo a exortar nosso complexo de vira-lata, “como quem chupa um chica-bom”... E nós, pobres almas caídas e mortais, ainda tentamos compreendê-lo. Por isso, insistimos em nossa servilidade, no medo diante do europeu, nosso “herói civilizador”. E assim, senhoras e senhores, pasmem: depois de darmos com os burros n’água com o melhor futebol apresentado por uma seleção depois do brilho brasileiro em 70, na fatídica Copa da Espanha, em 1982, resolvemos assumir de vez nossa imitação do europeu. E levamos na nossa cara de vira-lata, de um Canniggia abusado – de um latino, sim de um latino argentino! – um tapa de desprezo. Ainda assim, continuamos o martírio da imitação, da falta de indentidade, como se a cad Copa do Mundo perguntássemoss: quem somos nós, quem somos nós, os vira-latas? Mas por detrás das explicações dos especialistas, das ocas estatíticas da tv, dos parreiras inférteis e dos atletas-jesus, nosso futebol, como que investido de espírito taoísta, resolve vencer o inimigo das entranhas do próprio inimigo: é o futebol pobre, da falta de criatividade, da ausência de arrojo, dos cabeças-de-área, dos cabeças-de-bagre, que vence, que leva uma Copa? Joguemos então para vencer! Portanto, em 1994, nos EUA, mais importante que ao mundo, o Brasil mostrou a si mesmo que ele é tão bom quanto o europeu, seu espelho de mediocridade... tão bom que é capaz de vencer como eles vencem: sendo pragmáticos! Ah! Exorcizamos demônios defensivistas e, tetracampeão, o Brasil voltou a ser Brasil. E logo proliveraram, como se esperassem ansiosamente, os ronaldinhos, os juninhos, os sávios, os marcelinhos, os edmundos, os roberto carlos, os túlios, os giovanis, os didas, os rivaldos, etc., etc., etc. O Brasil reencarnou seu velho espectro: somos, novamente, uma pátria de chuteiras!

Um comentário:

Everton disse...

Depois desse artigo, escrito em 1996, o Brasil foi vice em 1998, campeão em 2002 e vamos chegar junto em 2010 e 2014...
quem viver verá...