Léo: O que mais você acha mais importante que o público do xamanismo saiba sobre seu trabalho? Como você vê, como antropóloga, esse resgate do xamanismo nos tempos atuais, assim como o uso de enteógenos.
Clarice: Sobre meu trabalho? Sou apenas mais uma peregrina aqui nesse planeta tentando desvendar alguns mistérios que nos levem à paz e ao amor eterno. A questão da Jurema, que sempre tanto me fascina, assim como a muita gente,eu passei para as mãos de jovens antropólogos e cineastas, com sede de conhecimento e que estão levando esse trabalho de pesquisa e resgate da cultura indígena adiante. São eles agora que respondem a minhas inquietações sobre os usos da jurema.
Vou te responder à segunda pergunta não só como antropóloga, mas primeiramente como ser humano mesmo. Isto porque a visão do antropólogo às vezes faz a gente bloquear certos conceitos e idéias ancestrais, já que agente tem que ser "objetivo" e "científico".
A humanidade passa por um momento crucial no qual todo conhecimento ancestral que pode nos levar à cura do planeta terra é de importância fundamental. Portanto, o trabalho xamânico continua sendo aquele que, juntamente com outras correntes do pensamento que nos levam á consciência universal, ao espírito criador, pode nos ajudar a elevar as consciências humanas de tal forma que possamos salvar a terra e os seres que nela vivem.
Há um movimento dentro das comunidades nativas do mundo inteiro para que se mantenha viva a tradição milenar de cura espiritual e física, que possa atender às necessidades de salvação não só das comunidades, mas das pessoas que estão fora dela. Os nativos de várias nações estão tendo um maior interesse em passar informações até então secretas para pessoas de fora de sua comunidade, para os buscadores que têm uma intenção pura de aprender responsavelmente, passando essas tradições adiante da forma mais respeitosa possível.
As plantas sagradas, os enteógenos, têm um papel fundamental nisso, mas é preciso atentar bem para que esses milagres não sejam desperdiçados em mentes que só buscam seu próprio prazer ou que fogem da realidade, em vez de buscá-la com todo o coração. Pois vivemos em um mundo de ilusões, e os enteógenos não são para se viver ilusões maiores, mas para escapar delas e assim descobrir a sabedoria contida no não-dualismo.
Quando Jesus de Nazaré dizia que "a verdade te libertará" ele repetia um moto xamânico de grande antiguidade. Se eu for olhar, tanto como simplesmente ser Humano ou como profissional da antropologia, os diversos grupos, comunidades e pessoas que trabalham com o xamanismo aí é outra história.
Em todo movimento, há aqueles que são verdadeiros, que são responsáveis, que são dignos de confiança e os que buscam somente seu próprio prazer, satisfazer seus egos, seus desejos de poder, ou de sei lá mais o quê
É desses que tenho medo, pois podem atrapalhar em muito essa jornada de renascimento xamânico tão importante. Chagdud Tulku Rinpoche, o lama tibetano que trouxe sua linhagem para o Brasil, escreve algo que vou citar pois é disso exatamente que estou tratando.
Ao escrever sobre a necessidade que praticantes do budismo têm de encontrar um mestre, ele nos adverte contra alguns: "Aqueles que se fingem de mestres, enganando a si próprios e aos outros, têm tanto para manter sua fachada quanto o comprimento da cauda de um porquinho da Índia. Depois de um curto período, já não são tão convincentes.
Antes de aceitarmos alguém como nosso professor ou professora, precisamos examinar com cuidado as qualidades e capacidades dele ou dela. Embora um falso professor possa não ter intenções negativas, aceitar uma pessoa assim é como beber veneno." ("Portões da prática budista", p.264)
Tenho visto coisas assim muito esdrúxulas acontecendo no meio de acontecimentos importantes do xamanismo universal. Tem gente realmente bebendo veneno e que estão impossibilitadas de absorver o sagrado. Estas coisas me preocupam, pois as pessoas deixam de vivenciar a clareza dos ensinamentos de quem tem a "intenção pura" para cair nas tramas sem sentido daqueles que buscam por fama, reconhecimento, e outros motivos essencialmente egocêntricos
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