domingo, 13 de abril de 2008

532 HOWARD BECKER E GILBERTO VELHO

G.V. – Você falou em "democratas" - do Partido Democrata, pessoas mais ou menos de "esquerda" etc. São conceitos meio imprecisos... - Esse é o critério convencional que usamos nos Estados Unidos. Poderíamos chamar esses conceitos de categorias nativas. Existe um tipo de pessoa que chamamos de "liberal do New Deal". Isso descreve a maioria dos acadêmicos, e certamente a maioria dos sociólogos americanos, embora alguns deles fossem secretamente uma espécie de marxistas. Muitos da geração anterior à minha foram secretamente marxistas, estiveram envolvidos sobretudo em pequenos grupos trotskistas.

G.V. - Em Oxford, Cambridge, também havia muitos marxistas não declarados. - É verdade. Em Chicago não tivemos nenhum que se tivesse tornado famoso. Nenhum Anthony Blunt ...

G.V. - Mas continuo interessado na sua geração. Marx afinal foi ou não foi importante para ela? - Foi para algumas pessoas que tiveram envolvimento, como já disse, em geral com grupos trotskistas.

G.V. -Mas eu faço uma distinção entre ação política e experiência intelectual. Por exemplo: você praticamente não encontra Marx nas bibliografias. - Para a maioria daqueles grupos trotskistas, a ação política consistia em ler e discutir sobre o marxismo. Quanto à bibliografia, não estou bem lembrado, mas certamente há coisas de Marx no livro texto de Park e Burgess.

G.V. - O que quero saber, em resumo, é quanto Marx foi relevante ou irrelevante para a sociologia americana. - Eu não usaria os termos relevante ou irrelevante. Eu diria que Marx era desconhecido para uma certa geração. Não é que eu esteja querendo falar da minha própria experiência, mas eu era jovem, não estava engajado na política, muitos dos estudantes com quem fui à escola vinham de famílias judias radicais, enquanto minha família era completamente apolítica. E acho que isso não era incomum. Acho que mesmo que muitas pessoas conhecessem o marxismo, isso não afetava a sociologia que faziam. Agora, é preciso lembrar que na minha época outra coisa muito importante estava acontecendo: o problema racial. As relações raciais tomaram-se, a meu ver, o problema-chave dos Estados Unidos. Enquanto na Europa o que mobilizava era o problema de classe, nos Estados Unidos o problema racial era o exemplo mais óbvio de injustiças. Então, todos os sentimentos e atitudes que na França ou Inglaterra envolviam a questão da classe trabalhadora, nos Estados Unidos apontavam para o problema racial. E o livro de Gurmar Myrdal, O dilema americano, era um livro indispensável. Nós todos lemos todas as suas mil páginas, e este foi um grande acontecimento intelectual.

M.I. - Você acha que ocorreu uma supervalorização de Marx em outras partes do mundo? No Brasil, na França, por exemplo? - Lembro que da primeira vez que vim ao Brasil, em 1976, fizeram-me muitas perguntas de um ponto de vista marxista. E nos Estados Unidos, nos anos 60, ocorreu também uma enorme mudança. Marx tornou-se não só "bom" como virou moda, passou a ser a fonte principal para todos os estudantes de sociologia. Todos leram Marx. Na minha opinião pessoal - nem sei se deveria dizer isto -, a teoria em geral tem sido realmente supervalorizada. Quando se fala da história da sociologia, sempre se fala - como Louis Wirth me ensinou - da história das grandes idéias, das grandes correntes de pensamento. Mas para mim o mais importante da história da sociologia é a história da pesquisa. Nesse sentido, para mim Charles Booth é uma figura mais importante do que alguém que tenha desenvolvido uma escola de pensamento. Há duas perspectivas na abordagem dessa questão. Uma delas diz que temos que fazer pesquisa para que se desenvolva a teoria. Eu respondo: "Não, temos que desenvolver a teoria para que se faça a pesquisa." O problema é saber o que é mais importante: conhecer melhor o mundo ou ter uma teoria melhor? Nesse sentido é que Marx é supervalorizado, assim como todas as outras abordagens teóricas. Hoje, o que acho mais interessante na França não são os grandes debates teóricos que têm ocorrido, estruturalismo, novo estruturalismo etc. Não. O que me agrada são as pesquisas empíricas que estão sendo feitas. E muita coisa boa tem sido feita nesse campo. Mas relativamente pouco tem chegado aos Estados Unidos traduzido para o inglês.

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