domingo, 13 de abril de 2008

537 HOWARD BECKER E GILBERTO VELHO

G.V. - Você mencionou Small, Thomas... - E falta mencionar Robert Park, a pessoa mais importante no desenvolvimento da sociologia americana e no Departamento de Sociologia de Chicago. Park: era filho uma próspera família do Meio-Oeste, nascido em Omaha, Nebraska, e fez seu doutorado na Alemanha, onde estudou com Simmel. Sua tese chama-se The Mass and the Public as Forms of Collective Action. Depois da Alemanha, voltou para os Estados Unidos e durante algum tempo ensinou filosofia em Harvard. Tomou-se então jornalista e, se estou bem lembrado, foi editor-chefe do Detroit Free Press, o principal jornal da cidade de Detroit. Foi secretário de uma organização destinada a salvar o Congo do rei Leopoldo da Bélgica, que havia imposto um dos regimes mais terríveis que jamais existiram. Escreveu um trabalho sobre o Congo e tornou-se ghost-writer de Booker T. Washington, o líder negro. Escreveu vários dos livros que saíram no nome de Washington. Finalmente, conheceu W. I. Thomas, que lhe ofereceu um lugar na Universidade de Chicago por um ano. Depois desse ano foi efetivado, e assim, aos 50 anos de idade, tomou-se professor universitário. Não teve uma carreira muito longa como professor, mas foi muito influente. Robert Park criou na Universidade de Chicago um enorme projeto de pesquisa, Escreveu um ensaio chamado "A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano" 3 que foi traduzido em diversas línguas e é muito conhecido. Este ensaio consiste em uma série de tópicos em forma de questões, e cada uma delas poderia ser o trabalho da vida de dezenas de pessoas - questões sobre relação de classes, sobre ocupações, religião etc. Não conheci Park pessoalmente, e sinto não tê-lo conhecido. Deve ter sido um homem muito dinâmico e carismático, capaz de persuadir todo o mundo a fazer o que ele queria. Tenho a impressão de que todos os cientistas sociais da Universidade de Chicago - economistas, cientistas políticos, historiadores e até mesmo antropólogos - fizeram coisas baseadas em suas idéias. A partir do plano de pesquisa de Park, as pessoas começaram a trabalhar, cada uma desenvolvendo a sua parte. Estudaram as regiões naturais da cidade, algumas vezes chamadas de "regiões morais", estudaram a distribuição dos vários fenômenos sociais no espaço. De fato, aí a metodologia começou a se tornar importante. Também nessa época o Departamento recrutou William Ogburn, que ensinava na Universidade de Columbia e foi o principal responsável pelo desenvolvimento dos métodos estatísticos na sociologia. Ele criou uma ligação com o governo federal, que começou a patrocinar uma série de pesquisas. Ogburn era um verdadeiro pregador dos modelos estatísticos, e conviveu com Park no Departamento. Park tinha uma visão muito eclética sobre métodos, realmente não se importava com isso. Qualquer maneira de descobrir algo era boa: método qualitativo, quantitativo, histórico, dava tudo na mesma. E seus alunos também pensavam assim. Freqüentemente utilizaram métodos múltiplos para atingir seus objetivos. A Universidade de Chicago também tinha uma editora que publicava livros. E havia umas publicações chamadas "University of Chicago Sociology Series" que continham principalmente as teses dos alunos de Park. Este foi um grande veículo de difusão das suas idéias. Uma coisa interessante é que naquela época o PhD só era confirmado , se a tese fosse publicada num período não superior a cinco anos. De início era preciso publicar uma versão da tese, mas depois começaram a aceitar artigos em revistas de sociologia. O fato é que várias teses foram publicadas em livro, e Park sempre escrevia introduções magníficas, verdadeiros ensaios ou artigos sobre diferentes assuntos. Nessa época começou se realmente a pensar em uma metodologia. E acho que sob esse aspecto foi muito importante a contribuição de Samuel Stouffer, que foi quem realmente levou mais sério a questão dos métodos estatísticos.

M.I. -Pesquisa empírica, métodos estatíticos... O que caracterizou afinal a chamada Escola de Chicago? - Isso é engraçado, porque havia realmente uma porção de correntes diferentes, de coisas diferentes ocorrendo ao mesmo tempo na Escola de Chicago. Um dos meus professores, Louis Wirth, costumava dizer que não entendia o que as pessoas queriam dizer quando falavam em uma "Escola de Chicago", pois não conseguia pensar em nada que fosse comum a todos lá dentro. Acho que é preciso fazer uma distinção, como sugere um aluno meu, Samuel Gillmore, entre escola de pensamento e escola de atividades. Geralmente, quando se fala numa escola como a Escola de Chicago, imagina-se um grupo de pessoas que compartilham certas idéias. Mas é preciso fazer uma distinção. Uma escola de pensamento é definida do exterior. Alguém, olhando de fora, nota idéias e pensamentos comuns a certas pessoas, que podem nem se conhecer, podem nunca ter tido contato entre si. Essas idéias comuns freqüentemente são atribuídas ao Geist, ao espírito do tempo. Já uma escola de atividades é um conjunto de pessoas que realmente estão trabalhando juntas, fazendo alguma coisa. Nos anos 20, por exemplo, havia a Sociedade Internacional para a Composição da Música Nova, que envolvia gente de todo tipo, como Barrès. Poucos compartilhavam as mesmas idéias sobre música, mas todos compartilhavam o desejo deter sua música tocada. Assim, eles organizavam concertos, mesmo que cada peça representasse escolas de pensamento diferentes. O Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, a chamada Escola de Chicago, era portanto uma escola de atividades que executava, principalmente, o trabalho organizado por Park. Fazia outras coisas também, é claro. Ogburn, por exemplo, estudou os efeitos sociais do telefone e do avião. Outros fizeram estudos estatísticos sobre as transformações sociais, econômicas etc. ocorridas nos Estados Unidos. Os estudantes desse período, dos anos 20 e início dos 30, foram os meus professores na década de 40. Os mais importantes eram Everett Hughes, Louis Wirth, Herbert Blumer, Robert Redfield, o antropólogo que casou com a filha de Robert Park. Era um grupo pequeno e unido. De certo modo, acho que se poderia dizer que havia uma rivalidade de siblings no grupo. Todos se consideravam "filhos" de Robert Park, e a pergunta era qual seria o verdadeiro. E cada um desenvolveu uma parte do pensamento de Park. Há uma outra pessoa importante que não posso deixar de mencionar, George Herbert Mead, o filósofo, que de certa forma desenvolveu uma espécie de infraestrutura teórica dentro do Departamento. Park pensava de uma maneira mais geral e abstrata, escreveu vários ensaios sobre a natureza da cultura, da comunicação, da sociedade. Junto com Emest Burgess, organizou o Primeiro grande livro-texto de sociologia, 4 que contém entre outras coisas muitas traduções do alemão e do francês, especialmente de Durkheim, Weber, Simmel, Tarde e outros. Voltando à geração dos meus professores, eles fizeram uma grande quantidade de pesquisas, sobre vários assuntos. A tese de Louis Wirth era sobre o gueto judeu. A de Hughes, sobre o Real Estale Board de Chicago, a organização das pessoas que trabalhavam no ramo imobiliário na cidade. 5 Essa geração saiu de Chicago e organizou a sociologia nos Estados Unidos. Naquela época havia outros centros de formação de sociólogos, mas de importância menor. Havia Columbia, que ainda era muito pequena. Harvard, Yale e Princeton não tinham sociologia. Os outros centros importantes eram Minnesota, a Universidade de Washington em Seattle, a Southern California em Los Angeles. Geralmente, em cada uma delas havia uma ou duas pessoas importantes que organizavam as pesquisas.

A.A. - O que você teria a dizer sobre Parsons? - Não sei onde Parsons estudou. Acho que fez o doutorado na Alemanha. Ele traduziu A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Weber.

A.A. - Pensei que ele tivesse passado por Chicago. - Parsons não tinha nada a ver com Chicago. Foi para Harvard como um jovem instrutor, não muito importante, mas conseguiu atrair alguns estudantes nos anos 30 que depois formaram uma geração de alto nivel: Robert Merton, Kingsley Davis, Wilbert Moore, Robert Williams, Marion Levy, pessoas desse padrão. Mas no princípio eles eram apenas um ponto no horizonte, não eram importantes. Acho que Merton fez seu doutorado em 35 ou 36, e sua tese sobre a ciência na Inglaterra foi publicada em 37. 6 A maioria das pessoas desse grupo entrou para o Exército durante a guerra, de modo que só se tomaram importantes depois que a guerra acabou. Até os anos 50 o grupo de Chicago realmente dominou a sociologia nos Estados Unidos num grau extremo. Hoje em dia não seria possível uma instituição exercer esse tipo de domínio. Emest Burgess disse uma vez que na sua época de estudante era impossível um aluno de Chicago casar-se antes de obter o PhD, pois o Dr. Small não permitiria... A universidade era um lugar mais sério do que é hoje.

A.A. - Você disse que essa geração saiu de Chicago para implantar a sociologia nos Estados Unidos. Como foi isso? - Até mesmo fora dos Estados Unidos. Hughes, por exemplo, foi para a Universidade de Mc Gill, em Montréal, e, mais ou menos imitando Park, implantou um programa de pesquisas no Canadá francês que está ativo hoje. As pessoas ainda estão fazendo pesquisas dentro do plano traçado por ele. E escreveu um livro muito importante, chamado French Canada in Transition, com base em suas pesquisas sobre uma pequena cidade industrial canadense. Este foi provavelmente o primeiro grande estudo sobre o processo de industrialização. A própria Universidade de Chicago contratou muitos dos seus ex-alunos, como Wirth e Blumer, o discípulo de George Herbert Mead. Hughes finalmente voltou do Canadá e foi lecionar em Chicago. Ogbum continuou lá, e também foi contratado seu aluno Philip Hauser, o demógrafo.

G.V. -Houve portanto em Chicago um processo claro de inbreeding? - Sim, não havia outro jeito. Onde mais se poderia contratar pessoas? Ogburn era a única figura importante desse grupo que tinha vindo de fora, de Columbia. Eles também trouxeram de fora uma outra pessoa que foi muito importante para mim e para os outros da minha geração: Lloyd Warner, o antropólogo social que havia trabalhado com Radcliffe-Brown. Warrier fez um estudo clássico sobre um grupo australiano 7 e quando voltou para os Estados Unidos dirigiu uma grande pesquisa sobre uma pequena cidade em Massachusetts. Foi provavelmente o primeiro estudo sério de comunidade na sociedade contemporânea. Havia alguma coisa feita antes, mas nada da mesma magnitude. Warner lecionava antropologia e sociologia, e seus alunos foram responsáveis não só pela "Yankee City Series", uma série de livros que surgiu a partir do trabalho sobre Massachusetts, mas também por livros como Deep South, um estudo sobre uma comunidade sulista, e, o mais importante, Black Metropolis, de Horace Cayton e Saint-Clair Drake.

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