G.V. - Uma coisa interessante é que parece que na sua época vocês não tinham professores europeus. Só americanos.
- Sim. Havia uma geração de refugiados que veio para os Estados Unidos nos anos 30, fugindo de Hitler, mas na verdade nenhum deles foi para o Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. O mais importante dos que vieram para os Estados Unidos foi Leo Lowenthal, da Escola de Frankfurt, que foi primeiro para Columbia e depois para a California. A maioria foi para Nova York, que deviam considerar a única cidade civilizada do país, e de lá alguns foram para outras cidades. Existia em Nova York,uma grande comunidade intelectual de refugiados, e eles publicavam um jornal que se tomou um instrumento importante de intercâmbio intelectual para aquelas pessoas que de alguma forma queriam preservar a cultura alemã nos Estados Unidos.
G.V. - O que você pode nos contar sobre a New School of Social Research?
- A New School foi fundada, creio eu, nos anos 20. Não estou muito certo quanto à data, mas sei que ela tem a ver com esses refugiados europeus. Também não estou bem lembrado dos nomes que participaram dela. Para a história da sociologia, o mais importante foi sem dúvida Paul Lazarsfeld. Foi ele quem introduziu nos Estados Unidos a pesquisa de tipo survey, era um homem que tinha conhecimentos matemáticos. Quando o conheci - ele estava muito interessado no fato de eu tocar piano -, ele me disse que, na sua família todos haviam-se tomado músicos profissionais, menos ele. E concluiu: "Se eu tocasse violoncelo um pouco melhor, nunca teria me tornado um sociólogo. "
G.V. – Na fase inicial do Departamento de Sociologia de Chicago havia uma geração de pessoas que em alguns casos haviam estudado na Europa. Mas a partir de um certo momento, o que se observa são americanos ensinando americanos, com um contato com a Europa relativamente pequeno. Foi isso o que realmente aconteceu?
- Exatamente. Vejamos a geração dos meus professores: Wirth nasceu na Alemanha e falava alemão fluentemente. Ensinava história da sociologia, era um professor muito preguiçoso e costumava fazer uma coisa terrível conosco: às vezes lia para nós textos em alemão sem traduzir. Lia Simmel e só traduzia quando queria. Dizia: "Esta passagem é tão bonita em alemão! Vou ler." E lia em alemão durante 15 minutos, e ninguém entendia nada! Hughes era fluente em francês e em alemão. Foi para a Alemanha no começo dos anos 30, viu o início do movimento nazista e escreveu alguns artigos sobre a divisão étnica de trabalho na Alemanha. Depois da guerra voltou à Alemanha e escreveu um artigo magnífico chamado "Good People and Dirty Work", um texto que inaugurou uma série de ensaios sobre o que ele chamou de "divisão moral do trabalho". 8 Essencialmente, a idéia era que há certos trabalhos sujos que precisam ser feitos, e que a única maneira de se permanecer limpo é fazer com que outras pessoas façam o trabalho sujo.
M.I. - Essa divisão moral do trabalho passava também pelo sexo? Ou seja, haveria trabalho para homem e trabalho para mulher?
- Sim. Hughes tinha um tipo de mente muito abstrata e freqüentemente usava o exemplo da divisão de trabalho por sexo. Em um de seus artigos mais importantes "Dilemmas and Contradictions of Status", 9 ele usa esse exemplo. Mas o que estávamos dizendo era que essa geração dos meus professores era muito sensível e conhecia bem a tradição européia de trabalhos escritos em francês e alemão. Mas na medida em que a sociologia americana foi-se tomando cada vez mais empírica, perdeu-se o interesse nessa tradição. É verdade que Weber fez muita pesquisa empírica, mas nada disso foi traduzido - Hughes conhecia e citava. Alguns trabalhos de Durkheim, como O suicídio, foram traduzidos na década de 20 e estavam disponíveis. Mas muitas coisas importantes na área da pesquisa empírica não eram traduzidas nem conhecidas. Le Play, Charles Booth, todos esses que criaram a história da sociologia como pesquisa empírica, os trabalhos estatísticos alemães, nada disso era levado a sério para que fosse traduzido para o inglês. Especialmente na minha geração, Só se levava a sério as idéias e as teorias.
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