domingo, 13 de abril de 2008

535 HOWARD BECKER E GILBERTO VELHO

G.V. - Alguem lia Charles Booth? - Hughes leu Charles Booth e me alertou para ele. Li vários volumes do seu livro. 10 Realmente, são maravilhosos. Ele verificou a quantidade de excremento de cavalo nas ruas de Londres para calcular o volume de tráfego, uma maneira deliciosamente maluca de um inglês pesquisar. Também os Webbs eram pesquisadores que deveriam ser lidos. Seu trabalho coincidia com uma série de pesquisas de tipo survey que foram feitas em cidades americanas como Pittsburg e Cleveland, como objetivo de melhorar suas condições de vida, com uma preocupação reformista.

G.V. - Uma crítica que se faz à sociologia americana é que ela não tem uma comunicação estreita com outros centros. Em sua opinião, isso afetou a sociologia americana em algum nível? - Não. Acho que na época da minha geração a sociologia americana tornou-se o grande empreendimento intelectual. Pouco se fazia realmente na Inglaterra em termos de urna sociologia profissional. Pouco se fazia na França, na Alemanha. É verdade que a Alemanha ficou muito destroçada no pós-guerra.

G.V. - Estou pensando na Escola Sociológica Francesa, com Durkheim, Marcel Mauss... Não havia contato da sociologia americana com esses autores? - Durkheim era bastante conhecido, Marcel Mauss era conhecido. Dos alemães, Weber por exemplo, só se conhecia A ética protestante e a História geral da economia, que foi traduzida por Frank Nadel. Simmel também era bastante conhecido. Mas tudo o que não fosse traduzido para o inglês não existia. Especialmente na minha geração, as pessoas não liam outras línguas.

G.V. - Isso é importante. A geração dos seus professores conhecia outras línguas. - Ah, sim. Eles conheciam as obras no original. E Hughes conhecia muito bem Gabriel Tarde. Ele costumava nos dizer que a história da sociologia, da maneira como era ensinada, significava unir um nome a um conceito. Tarde - a multidão; Tarde - a imitação; Weber - a ética protestante. Era alguma coisa que se deveria aprender para fazer os exames. Aqui é que eu acho que entra Parsons, porque Parsons leu e digeriu Durkheim, Weber, Pareto, Alfred Marshall, o economista, e escreveu um gigantesco livro teórico, publicado no final dos anos 30, que muito pouca gente leu. 11 Acho que de certa forma ele prestou um grande desserviço, porque se concentrou nos elementos abstratos que havia no trabalho desses autores. Ele prestou um outro grande desserviço, na minha opinião, quando tornou possível para as pessoas terem a teoria como especialidade. Antes dele, acho que ninguém era teórico como especialidade. As pessoas trabalhavam e pensavam sobre os assuntos, pesquisavam e tinham idéias gerais. Isso são coisas conjuntas. Com Parsons a teoria passou a ser um campo específico. Na realidade, nem a história das idéias nem a filosofia de Parsons foram relevantes para as pesquisas que as pessoas faziam. O que senti, quando chamei para trabalhar comigo pessoas que haviam sido alunos de Parsons, foi que depois de terem aprendido as idéias de Parsons eles ainda precisavam aprender algo mais para poderem se dedicar à pesquisa. As idéias que tinham eram tão abstratas tão gerais que não forneciam nenhuma pista para eles lidar com qualquer estudo de fenômenos sociais concretos.

G.V. - Você considera que teria havido nos Estados Unidos uma reação à teoria por causa de Parsons? - Não. Acho que o que aconteceu foi que a teoria se tornou uma especialidade, como a criminologia, por exemplo. E isso pareceu interessante para muita gente.

G.V. Em Chicago também? - Quando eu era estudante, Parsons ainda não era importante.

G.V. - Interessante, porque os primeiros livros dele são de 1938-1939. - Sim. Mas então os livros desapareceram com a guerra. E depois eram muito longos, dificeis, chatos de ler. Certa vez me contaram uma coisa interessante sobre Parsons. Ele nunca reescreveu nada, tudo era impresso sem revisão. O que explica o seu estilo. Mas o que eu estava dizendo é que nos anos 50, depois da Segunda Guerra Mundial, outros centros de estudos começaram a se tomar importantes. Foi então que tomamos conhecimento de outros centros, além de Chicago. Eramos muito arrogantes, achávamos que éramos os melhores e não dávamos atenção aos outros. Quando começamos a fazê-lo, verificamos que o mais importante não era Harvard, nao era Parsons, e Sim Columbia, onde havia uma combinação interessante de um teórico com um pesquisador, onde Robert Merton e Paul Lazarsfeld estavam trabalhando em conjunto. Eles realizaram uma série de trabalhos, e eu, pessoalmente, penso que Lazarsfeld era um sociólogo brilhante.

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