quinta-feira, 3 de junho de 2010

1410 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Mas a ciência, através de seus numerosos e importantes sucessos, já nos deu provas de
não ser uma ilusão. Ela conta com muitos inimigos manifestos, e muitos outros
secretos, entre aqueles que não podem perdoá-la por ter enfraquecido a fé religiosa e
por ameaçar derrubá-la. É censurada pela pequenez do que nos ensinou e pelo campo
incomparavelmente maior que deixou na obscuridade. Nisso, porém, as pessoas se
esquecem de quão jovem ela é, quão difíceis foram seus primórdios e quão
infinitesimalmente pequeno foi o período de tempo que decorreu desde que o intelecto
humano ficou suficientemente forte para as tarefas que ela estabelece. Não nos
achamos todos nós em falta, ao basear nossos julgamentos em períodos de tempo que
são curtos demais? Deveríamos tomar os geólogos como modelo. As pessoas queixamse
da infidedignidade da ciência, do modo como ela anuncia como lei hoje o que a
geração seguinte identifica como erro e substitui por uma nova lei cuja validade aceita
não perdura por mais tempo. Mas isso é injusto e, em parte, inverídico. As
transformações da opinião científica são desenvolvimentos, progressos, e não
revoluções. Uma lei que a princípio foi tida por universalmente válida, mostra ser um
caso especial de uma uniformidade mais abrangente ou é limitada por outra lei, só
descoberta mais tarde; uma aproximação grosseira à verdade é substituída por outra
mais cuidadosamente adaptada, a qual, por sua vez, fica à espera de novos
aperfeiçoamentos. Existem diversos campos em que ainda não superamos uma fase de
pesquisa na qual fazemos experiências com hipóteses que em breve têm de ser
rejeitadas como inadequadas; em outros campos, porém, já possuímos um cerne de
conhecimento seguro e quase inalterável. Finalmente, tentou-se desacreditar o esforço
científico de maneira radical, com o fundamento de que, achando-se ele ligado às
condições de sua própria organização, não poderia produzir nada mais senão
resultados subjetivos, ao passo que a natureza real das coisas a nós externas
permanece inacessível. Mas isso significa desprezar diversos fatores de importância
decisiva para a compreensão do trabalho científico. Em primeiro lugar, nossa
organização – isto é, nosso aparelho psíquico – desenvolveu-se precisamente no
esforço de explorar o mundo externo, e, portanto, teria de ter concebido em sua
estrutura um certo grau de utilitarismo; em segundo lugar, ela própria é parte
constituinte do mundo que nos dispusemos a investigar e admite prontamente tal
investigação; em terceiro, a tarefa da ciência ficará plenamente abrangida se a
limitarmos a demonstrar como o mundo nos deve aparecer em conseqüência do
caráter específico de nossa organização; em quarto, as descobertas supremas da
ciência, precisamente por causa do modo pelo qual foram alcançadas, são
determinadas não apenas por nossa organização, mas pelas coisas que influenciaram
essa organização; finalmente, o problema da natureza do mundo sem levar em
consideração nosso aparelho psíquico perceptivo não passa de uma abstração vazia,
despida de interesse prático.
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência
não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar.

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