quinta-feira, 3 de junho de 2010

1432 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Todo ensinamento como este, então, exige uma crença em seu conteúdo, mas não sem
produzir fundamentos para sua reivindicação. Esses ensinamentos são apresentados
como o resultado resumido de um processo mais extenso de pensamento, baseado na
observação e, decerto, também em inferências. Se alguém desejar passar por esse
processo, em vez de aceitar seu resultado, eles lhe mostrarão como fazê-lo. Ademais, énos
dada sempre, em acréscimo, a fonte do conhecimento que é por eles transmitido,
quando essa fonte não é auto-evidente, como no caso das afirmações geográficas. Por
exemplo, a Terra tem a forma de uma esfera; as provas aduzidas para isso são o
experimento do pêndulo de Foucault, o comportamento do horizonte e a possibilidade
de circunavegá-la. Visto ser impraticável, como qualquer pessoa interessada percebe,
enviar crianças em idade escolar numa viagem em redor do mundo, satisfazemo-nos
em permitir que o que é ensinado na escola seja aceito com confiança; sabemos, no
entanto, que a via para a aquisição de uma convicção pessoal permanece aberta.
Tentemos aplicar o mesmo teste aos ensinamentos da religião. Quando indagamos em
que se funda sua reivindicação a ser acreditada, deparamo-nos com três respostas,
que se harmonizam de modo excepcionalmente mau umas com as outras. Em
primeiro lugar, os ensinamentos merecem ser acreditados porque já o eram por
nossos primitivos antepassados; em segundo, possuímos provas que nos foram
transmitidas desde esses mesmos tempos primevos; em terceiro, é totalmente proibido
levantar a questão de sua autenticidade. Em épocas anteriores, uma tal presunção era
punida com os mais severos castigos, e ainda hoje a sociedade olha com desconfiança
para qualquer tentativa de levantar novamente a questão.
Esse terceiro ponto está fadado a despertar nossas mais fortes suspeitas. Afinal de
contas, uma proibição desse tipo só pode ter uma razão – que a sociedade se acha
bastante cônscia da insegurança da reivindicação que faz em prol de suas doutrinas
religiosas. Caso contrário, decerto estaria pronta a colocar os dados necessários à
disposição de quem quer que desejasse chegar à convicção. Assim sendo, é com uma
sensação de desconfiança difícil de apaziguar que passamos ao exame dos outros dois
fundamentos de prova. Temos que acreditar porque nossos antepassados acreditaram.
Mas nossos ancestrais eram muito mais ignorantes do que nós. Acreditavam em coisas
que hoje não nos é possível aceitar, e ocorre-nos a possibilidade de que as doutrinas da
religião possam pertencer também a essa classe. As provas que nos legaram estão
registradas em escritos que, eles próprios, trazem todos os sinais de infidedignidade.
Estão cheios de contradições, revisões e falsificações e, mesmo onde falam de
confirmações concretas, elas próprias acham-se inconfirmadas. Não adianta muito
asseverar que suas palavras, ou inclusive apenas seu conteúdo, se originam da
revelação divina, porque essa asserção é, ela própria, uma das doutrinas cuja
autenticidade está em exame, e nenhuma proposição pode ser prova de si mesma.
Chegamos assim à singular conclusão de que, de todas as informações proporcionadas
por nosso patrimônio cultural, as menos autenticadas constituem precisamente os
elementos que nos poderiam ser da maior importância, ter a missão de solucionar os
enigmas do universo e nos reconciliar com os sofrimentos. Não poderíamos ser levados
a aceitar algo de tão pouco interesse para nós quanto o fato de as baleias darem à luz
filhotes, em vez de porem ovos, se não se pudesse apresentar provas melhores do que
isso.

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