Esse estado de coisas é, em si próprio, um problema psicológico bastante notável. E
que ninguém imagine que o que declarei a respeito da impossibilidade de provar a
verdade das doutrinas religiosas contenha algo de novo. Isso já foi sentido em todas as
épocas, e, indubitavelmente, também pelos ancestrais que nos transmitiram esse
legado. Muitos deles provavelmente nutriram as mesmas dúvidas que nós, mas a
pressão a eles imposta foi forte demais para que se atrevessem a expressá-las. E, visto
que incontáveis pessoas foram atormentadas por dúvidas semelhantes e se esforçaram
por reprimi-las, por acharem que era seu dever acreditar, muitos intelectos brilhantes
sucumbiram a esse conflito e muitos caracteres foram prejudicados pelas
transigências com que tentaram encontrar uma saída para ele.
Se todas as provas apresentadas em prol da autenticidade dos ensinamentos religiosos
se originam do passado, é natural que se passe o olhar em volta e se veja se o presente,
sobre o qual é mais fácil formar julgamentos, não será capaz de fornecer provas desse
tipo. Se, por esse meio, alcançássemos êxito em liberar da dúvida mesmo uma parte
isolada do sistema religioso, a sua totalidade ganharia imensamente em credibilidade.
Os processos dos espiritualistas vêm a nosso encontro nesse ponto; eles estão
convencidos da sobrevivência da alma individual e procuram demonstrar-nos, para
além de qualquer dúvida, a verdade dessa doutrina religiosa. Lamentavelmente, não
conseguem refutar o fato de o aparecimento e as palavras dos espíritos serem
simplesmente produtos de sua própria atividade mental. Invocaram os espíritos dos
maiores homens e dos mais eminentes pensadores, mas todos os pronunciamentos e
informações que deles receberam foram tão tolos e tão deploravelmente sem sentido
que neles nada se pode encontrar de crível, exceto a capacidade dos espíritos em se
adaptarem ao círculo de pessoas que os conjuraram. Devo agora mencionar duas
tentativas que foram feitas – ambas as quais transmitem a impressão de serem
esforços desesperados – para fugir ao problema. Uma, de natureza violenta, é antiga;
a outra, sutil e moderna. A primeira é o “Credo quia absurdum”, do primeiro Padre
da Igreja. Sustenta que as doutrinas religiosas estão fora da jurisdição da razão –
acima dela. Sua verdade deve ser sentida interiormente, e não precisam ser
compreendidas. Mas esse Credo só tem interesse como autoconfissão. Como
declaração autorizada, não possui força obrigatória. Devo ser obrigado a acreditar em
todos os absurdos? E caso não, por que nesse em particular? Acima da razão não há
tribunal a que apelar. Se a verdade das doutrinas religiosas depende de uma
experiência interior que dá testemunho dessa verdade, o que se deve fazer com as
muitas pessoas que não dispõem dessa rara experiência? Pode-se exigir que todo
homem utilize o dom da razão de que é possuidor, mas não se pode erigir, com base
num motivo que existe apenas para poucos, uma obrigação que se aplique a todos. Se
determinado homem obteve uma convicção inabalável a respeito da verdadeira
realidade das doutrinas religiosas, a partir de um estado de êxtase que o comoveu
profundamente, que significação isso tem para os outros?
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