quinta-feira, 3 de junho de 2010

1437 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Foi assim que se criou um cabedal de idéias, nascido da necessidade que tem o homem
de tornar tolerável seu desamparo, e construído com o material das lembranças do
desamparo de sua própria infância e da infância da raça humana. Pode-se perceber
claramente que a posse dessas idéias o protege em dois sentidos: contra os perigos da
natureza e do Destino, e contra os danos que o ameaçam por parte da própria
sociedade humana. Reside aqui a essência da questão. A vida neste mundo serve a um
propósito mais elevado; indubitavelmente, não é fácil adivinhar qual ele seja, mas
decerto significa um aperfeiçoamento da natureza do homem. É provavelmente a
parte espiritual deste, a alma, que, no decurso do tempo, tão lenta e relutantemente, se
desprendeu do corpo, que constitui o objeto desta elevação e exaltação. Tudo o que
acontece neste mundo constitui expressão das intenções de uma inteligência superior
para conosco, inteligência que, ao final, embora seus caminhos e desvios sejam difíceis
de acompanhar, ordena tudo para o melhor – isto é, torna-o desfrutável por nós.
Sobre cada um de nós vela uma Providência benevolente que só aparentemente é
severa e que não permitirá que nos tornemos um joguete das forças poderosas e
impiedosas da natureza. A própria morte não é uma extinção, não constitui um
retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se
acha no caminho da evolução para algo mais elevado. E, olhando na outra direção,
essa visão anuncia que as mesmas leis morais que nossas civilizações estabeleceram,
governam também o universo inteiro, com a única diferença de serem mantidas por
uma corte suprema de justiça incomparavelmente mais poderosa e harmoniosa. Ao
final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta
forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte.
Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se
desfazer. A vida após a morte, que continua a vida sobre a terra exatamente como a
parte invisível do espectro se une à parte visível, nos conduz à perfeição que talvez
tenhamos deixado de atingir aqui. E a sabedoria superior que dirige esse curso das
coisas, a bondade infinita que nela se expressa, a justiça que nela atinge seu objetivo,
são os atributos dos seres divinos que também nos criaram, e ao mundo como um
todo, ou melhor, de um ser divino no qual, em nossa civilização, todos os deuses da
Antigüidade foram condensados. O povo que pela primeira vez alcançou êxito em
concentrar assim os atributos divinos não ficou pouco orgulhoso de seu progresso.
Descerrara à vista o pai que sempre se achara oculto por detrás de toda figura divina,
como seu núcleo.
Fundamentalmente, isso constituía um retorno aos primórdios históricos da idéia de
Deus. Agora que este era uma figura isolada, as relações do homem com ele podiam
recuperar a intimidade e a intensidade do relacionamento do filho com o pai. Mas, já
que se fizera tanto pelo próprio pai, desejava-se obter uma recompensa, ou, pelo
menos, ser o seu filho bem amado, o seu Povo Escolhido. Muito mais tarde, a piedosa
América reivindicou ser o “Próprio País de Deus”, e, com referência a uma das
formas pelas quais os homens adoram a divindade, essa reivindicação é
indubitavelmente válida.
As idéias religiosas acima resumidas naturalmente passaram por um longo processo
de desenvolvimento, e diversas civilizações a elas aderiram em diversas fases. Isolei
uma dessas fases que corresponde aproximadamente à forma final assumida por
nossa atual civilização branca e cristã. É fácil perceber que nem todas as partes desse
quadro concordam igualmente bem umas com as outras, que nem todas as perguntas
que têm premência de resposta a recebem, e que é difícil pôr de lado a contradição da
experiência cotidiana. Não obstante, tal como são, essas idéias – idéias religiosas no
sentido mais amplo – são prezadas como o mais precioso bem da civilização, como a
coisa mais preciosa que ela tem a oferecer a seus participantes. São muito mais
altamente prezadas do que todos os artifícios para conquistar tesouros da terra,
prover os homens com o sustento, evitar suas doenças, e assim por diante. As pessoas
sentem que a vida não seria tolerável se não ligassem a essas idéias o valor que é para
elas reivindicado. E é aqui que surge a questão: o que são essas idéias à luz da
psicologia? De onde derivam a estima em que são tidas? E, para dar mais um tímido
passo, qual é seu valor real?

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