A segunda tentativa é a efetuada pela filosofia do “como se”, que assevera que nossa
atividade de pensamento inclui grande número de hipóteses cuja falta de fundamento
e até mesmo absurdeza compreendemos perfeitamente. São chamadas de “ficções”,
mas, por várias razões práticas, temos de nos comportar “como se” nelas
acreditássemos. Tal é o caso das doutrinas religiosas, devido à sua incomparável
importância para a manutenção da sociedade humana. Essa linha de argumentação
não se afasta muito do “Credo quia absurdum”, mas penso que a exigência feita pelo
argumento do “como se” é uma exigência que só o filósofo pode apresentar. Um
homem cujo pensar não se acha influenciado pelos artifícios da filosofia nunca poderá
aceitá-la; na opinião de tal homem, a admissão de que algo é absurdo ou contrário à
razão não deixa mais nada a ser dito. Não se pode esperar dele que, precisamente ao
tratar de seus interesses mais importantes, abra mão das garantias que exige para
todas as suas atividades comuns. Lembro-me de um de meus filhos que se distinguia,
em idade precoce, por uma positividade particularmente acentuada. Quando estava
sendo contada às crianças uma história de fadas e todas a escutavam com embevecida
atenção, ele se levantava e perguntava: “Essa história é verdadeira?” Quando se
respondia que não, afastava-se com um olhar de desdém. Podemos esperar que dentro
em breve as pessoas se comportem da mesma maneira para com os contos de fadas da
religião, a despeito de tudo o que o “como se” advoga.
Atualmente, porém, elas ainda se conduzem de modo inteiramente diferente e, em
tempos passados, as idéias religiosas, a despeito de sua incontrovertível falta de
autenticidade, exerceram a mais forte influência possível sobre a humanidade. Tratase
de um novo problema psicológico. Devemos perguntar onde reside a força interior
dessas doutrinas e a que devem sua eficácia, independente, como é, do reconhecimento
pela razão.
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