Não acho isso tão notável. Imagina você que o pensamento não possui motivos
práticos, que é simplesmente a expressão de uma curiosidade desinteressada? Isso,
certamente, é algo muito improvável. Acredito antes que, quando o homem
personifica as forças da natureza, está mais uma vez seguindo um modelo infantil. Ele
aprendeu, das pessoas de seu primeiro ambiente, que a maneira de influenciá-las é
estabelecer um relacionamento com elas; assim, mais tarde, tendo o mesmo fim em
vista, trata tudo o mais com que se depara da mesma maneira por que tratou aquelas
pessoas. Assim, não contradigo sua observação descritiva; é, de fato, natural ao
homem personificar tudo o que deseja compreender, a fim de, posteriormente,
controlá-lo (a dominação psíquica como preparação para a dominação física), mas
forneço, além disso, um motivo e uma gênese para essa peculiaridade do pensar
humano.
“Mas ainda há um terceiro ponto. Você tratou anteriormente da origem da religião,
em seu livro Totem e Tabu [1912-13]. Lá, porém, ela aparecia sob uma luz diferente.
Tudo era o relacionamento filho-pai. Deus era o pai exaltado, e o anseio pelo pai
constituía a raiz da necessidade de religião. Desde então, segundo parece, você
descobriu o fator da fraqueza e do desamparo humanos, ao qual, na verdade, o
principal papel na formação da religião é geralmente atribuído, e agora transpõe tudo
que foi outrora o complexo paterno em função do desamparo. Posso lhe pedir que
explique essa transformação?”
Com prazer. Estava esperando esse convite. Contudo, trata-se realmente de uma
transformação? Em Totem e Tabu, não era meu propósito explicar a origem da
religião, mas apenas do totemismo. Poderá você, segundo qualquer dos pontos de vista
que lhe são conhecidos, explicar o fato de que a primeira forma pela qual a divindade
protetora se revelou aos homens teve de ser a de um animal, que tenha havido uma
proibição contra matar e comer esse animal, e que, não obstante, o costume solene
tenha sido matá-lo e comê-lo comunalmente uma vez por ano? É exatamente isso que
acontece no totemismo. E dificilmente tem propósito argumentar se o totemismo deve
ser chamado de religião. Ele possui vinculações estreitas com as posteriores religiões
de deuses. Os animais totêmicos tornam-se os animais sagrados dos deuses, e as mais
antigas, mas fundamentais restrições morais – as proibições contra o assassinato e o
incesto – originam-se do totemismo. Aceite você ou não as conclusões de Totem e
Tabu, espero que admita que uma série de fatos notáveis e desvinculados são nele
reunidos num todo coerente.
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