quinta-feira, 3 de junho de 2010

1425 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Contudo, mal sei por onde começar minha réplica. Talvez sirva de garantia o fato de
que eu mesma encare meu empreendimento como completamente inócuo e livre de
riscos. Aqui, não sou eu quem está supervalorizando o intelecto. Se as pessoas são
como meus opositores as descrevem – e não gostaria de contradizê-los –, então não há
perigo de que a crença de um devoto seja vencida pelos meus argumentos, e ele,
privado de sua fé. Além disso, não disse nada que outros homens, melhores do que eu,
já não tenham dito antes de mim, de modo muito mais completo, energético e
impressivo. Seus nomes são bem conhecidos e não vou citá-los porque não quero dar a
impressão de estar procurando colocar-me entre eles. Tudo o que fiz – e isso constitui
a única coisa nova em minha exposição – foi acrescentar uma certa base psicológica às
críticas de meus grandes predecessores. É difícil esperar que precisamente esse
acréscimo produza o efeito que foi negado àqueles esforços anteriores.
Não há dúvida de que aqui se me poderia perguntar qual a vantagem de escrever isso,
se estou certo de que será ineficaz. Retornarei a esse ponto mais tarde.
Sou a única pessoa a quem essa publicação pode prejudicar. Serei obrigado a ouvir as
mais desagradáveis censuras por causa de minha superficialidade, estreiteza de
espírito e falta de idealismo ou compreensão dos mais altos interesses da humanidade.
Por um lado, porém, tais admoestações não são novas para mim, e, por outro, se um
homem já aprendeu na juventude a se sobrepor à desaprovação de seus
contemporâneos, que lhe pode ela importar na velhice, quando ele está certo de que
em breve se achará além do alcance de todo favor ou desfavor? Em épocas passadas,
era diferente. Então, declarações como as minhas acarretavam um seguro
cerceamento da existência terrena de quem as proferisse e uma aceleração efetiva da
oportunidade de conseguir uma experiência pessoal do além.
Mas, repito, esses tempos já passaram e, atualmente, os escritos desse tipo não trazem
para seu autor mais perigo do que para seus leitores. O máximo que pode acontecer é
que a tradução ou distribuição de seu livro sejam proibidas num país ou noutro, e,
precisamente, é natural, num país que esteja convencido do alto padrão de sua
cultura. Mas se alguém faz um apelo em favor da renúncia aos desejos e da
aquiescência ao Destino, tem que ser capaz de tolerar também esse tipo de prejuízo.
Outra questão que me ocorreu foi a de saber se, no fim das contas, a publicação dessa
obra não poderia causar danos. Não a uma pessoa, mas a uma causa, a causa da
psicanálise, pois não se pode negar que a psicanálise é criação minha e que se deparou
com muita desconfiança e má vontade. Se agora me apresento com esses
pronunciamentos desagradáveis, as pessoas estarão prontas a efetuar um
deslocamento de minha pessoa para a psicanálise: “Agora estamos vendo”, dirão,
“aonde a psicanálise conduz. A máscara caiu; conduz a uma negação de Deus e de um
ideal moral, como sempre desconfiamos. Para nos manter afastados dessa descoberta
é que fomos iludidos a pensar que a psicanálise não possuía Weltanschauung e que
jamais poderia elaborar uma”.

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