quinta-feira, 3 de junho de 2010

1434 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


A questão de saber por que, a longo prazo, o deus animal não bastou, e foi substituído
por um deus humano, mal foi abordada em Totem e Tabu, e outros problemas
concernentes à formação da religião não foram, de modo algum, mencionados no
livro. Considera você uma limitação desse tipo a mesma coisa que uma negação? Meu
trabalho constitui um bom exemplo do isolamento estrito da contribuição específica
que o exame psicanalítico pode efetuar quanto à solução do problema da religião. Se
agora estou tentando acrescentar a outra parte, menos profundamente oculta, acho
que você não deveria me acusar de estar me contradizendo, tal como antes me acusou
de ser unilateral. Naturalmente, é meu dever apontar os vínculos de união entre o que
disse antes e o que apresento agora, entre os motivos manifestos, entre o complexo
paterno e o desamparo e a necessidade de proteção do homem.
Essas vinculações não são difíceis de encontrar. Consistem na relação do desamparo
da criança com o desamparo do adulto, que a continua, de maneira que, como era de
esperar, os motivos para a formação da religião que a psicanálise revela agora,
mostram ser os mesmos que a contribuição infantil aos motivos manifestos.
Transportemo-nos para a vida mental de uma criança. Você se recorda da escolha de
objeto de acordo com o tipo anaclítico [ligação], de que fala a psicanálise? A libido
segue aí os caminhos das necessidades narcísicas e liga-se aos objetos que asseguram a
satisfação dessas necessidades. Desta maneira, a mãe, que satisfaz a fome da criança,
torna-se seu primeiro objeto amoroso e, certamente, também sua primeira proteção
contra todos os perigos indefinidos que a ameaçam no mundo externo – sua primeira
proteção contra a ansiedade, podemos dizer.
Nessa função [de proteção] a mãe é logo substituída pelo pai mais forte, que retém
essa posição pelo resto da infância. Mas a atitude da criança para com o pai é
matizada por uma ambivalência peculiar. O próprio pai constitui um perigo para a
criança, talvez por causa do relacionamento anterior dela com a mãe. Assim, ela o
teme tanto quanto anseia por ele e o admira. As indicações dessa ambivalência na
atitude para com o pai estão profundamente impressas em toda religião, tal como foi
demonstrado em Totem e Tabu. Quando o indivíduo em crescimento descobre que
está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem
proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as
características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem
teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção.
Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de
proteção contra as conseqüências de sua debilidade humana. É a defesa contra o
desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao
desamparo que ele tem de reconhecer – reação que é, exatamente, a formação da
religião.
Mas não é minha intenção levar mais adiante a investigação do desenvolvimento da
idéia de Deus; aquilo em que aqui estamos interessados é o corpo acabado das idéias
religiosas, tal como transmitido pela civilização ao indivíduo.

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