Mas não nos permitamos ficar satisfeitos em nos enganarmos que argumentos desse
tipo nos conduzirão pela estrada do pensamento correto. Se algum dia já houve um
exemplo de desculpa esfarrapada, temo-lo aqui. Ignorância é ignorância; nenhum
direito a acreditar em algo pode ser derivado dela. Em outros assuntos, nenhuma
pessoa sensata se comportaria tão irresponsavelmente ou se contentaria com
fundamentos tão débeis para suas opiniões e para a posição que assume. É apenas nas
coisas mais elevadas e sagradas que se permite fazê-lo. Na realidade, trata-se apenas
de tentativas de fingir para nós mesmos ou para outras pessoas que ainda nos
achamos firmemente ligados à religião, quando há muito tempo já nos apartamos
dela. Quanto a questões de religião, as pessoas são culpadas de toda espécie possível de
desonestidade e mau procedimento intelectual. Os filósofos distendem tanto o sentido
das palavras, que elas mal retêm algo de seu sentido original. Dão o nome de “Deus” a
alguma vaga abstração que criaram para si mesmos e, assim, podem posar perante
todos como deístas, como crentes em Deus, e inclusive gabar-se de terem identificado
um conceito mais elevado e puro de Deus, não obstante significar seu Deus agora nada
mais que uma sombra sem substância, sem nada da vigorosa personalidade das
doutrinas religiosas. Os críticos insistem em descrever como “profundamente
religioso” qualquer um que admita uma sensação da insignificância ou impotência do
homem diante do universo, embora o que constitua a essência da atitude religiosa não
seja essa sensação, mas o passo seguinte, a reação que busca um remédio para ela. O
homem que não vai além, mas humildemente concorda com o pequeno papel que os
seres humanos desempenham no grande mundo, esse homem é, pelo contrário,
irreligioso no sentido mais verdadeiro da palavra.
Avaliar o valor de verdade das doutrinas religiosas não se acha no escopo da presente
investigação. Basta-nos que as tenhamos reconhecido como sendo, em sua natureza
psicológica, ilusões. Contudo, não somos obrigados a ocultar o fato de que essa
descoberta também influencia fortemente nossa atitude para com a questão que a
muitos deve parecer a mais importante de todas. Sabemos aproximadamente em que
períodos, e por que tipo de homens, as doutrinas religiosas foram criadas. Se,
ademais, descobrirmos os motivos que conduziram a isso, nossa atitude para com o
problema da religião experimentará um acentuado deslocamento. Dir-nos-emos que
seria muito bom se existissem um Deus que tivesse criado o mundo, uma Providência
benevolente, uma ordem moral no universo e uma vida posterior; constitui, porém,
fato bastante notável que tudo isso seja exatamente como estamos fadados a desejar
que seja. E seria ainda mais notável se nossos lamentáveis, ignorantes e espezinhados
ancestrais tivessem conseguido solucionar todos esses difíceis enigmas do universo.
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