quinta-feira, 3 de junho de 2010

1413 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Outra vantagem da doutrina religiosa, em minha opinião, reside numa de suas
características a que você parece particularmente opor-se, pois permite um
refinamento e sublimação das idéias que tornam possível para ela livrar-se da maioria
dos resíduos oriundos do pensamento primitivo e infantil. O que então sobra é um
corpo de idéias que a ciência não mais contradiz e que é incapaz de refutar. Essas
modificações da doutrina religiosa, que você condenou como meias-medidas e
transigências, tornam-lhe possível evitar a cisão entre as massas não instruídas e o
pensador filosófico, e preservar o vínculo comum entre eles, tão importante para a
salvaguarda da civilização. Com isso, não haveria necessidade de temer que os
homens do povo descobrissem que as camadas superiores da sociedade ‘não mais
acreditam em Deus’. Acho que agora lhe demonstrei que seus esforços se reduzem a
uma tentativa de substituir uma ilusão já provada e emocionalmente valiosa, por
outra, que não foi provada e não possui valor emocional”.
Não sou inacessível à sua crítica. Sei como é difícil evitar ilusões; talvez as esperanças
que confessei também sejam de natureza ilusória. Aferro-me, porém, a uma distinção.
À parte o fato de castigo algum ser imposto a quem não as partilha, minhas ilusões
não são, como as religiosas, incapazes de correção. Não possuem o caráter de um
delírio. Se a experiência demonstrar – não a mim, mas a outros depois de mim, que
pensem como eu – que estávamos enganados, abandonaremos nossas expectativas.
Tome minha tentativa pelo que ela é. Um psicólogo que não se ilude sobre a
dificuldade de descobrir a própria orientação neste mundo, efetua um esforço para
avaliar o desenvolvimento do homem, à luz da pequena porção de conhecimento que
obteve através de um estudo dos processos mentais de indivíduos, durante seu
desenvolvimento de crianças a adultos. Ao agir assim, impõe-se a ele a idéia de que a
religião é comparável a uma neurose da infância, e é otimista bastante para imaginar
que a humanidade superará essa fase neurótica, tal como muitas crianças evolvem de
suas neuroses semelhantes. Essas descobertas derivadas da psicologia individual
podem ser insuficientes, injustificada sua aplicação à raça humana, e infundado
otimismo o dele. Concedo-lhes todas essas incertezas. Mas freqüentemente não
podemos impedir-nos de dizer o que pensamos, e nos desculpamos disso com o
fundamento de que só o dizemos pelo que vale.

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