quinta-feira, 3 de junho de 2010

1424 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Um clamor desse tipo me seria realmente desagradável, por causa de meus muitos
colaboradores, alguns dos quais, de modo algum, partilham de minha atitude para
com os problemas da religião. A psicanálise, porém, já enfrentou muitas tempestades
e terá agora de arrostar mais essa. Na realidade, a psicanálise constitui um método de
pesquisa, um instrumento imparcial, tal como o cálculo infinitesimal, por assim dizer.
Se um físico descobrisse, com o auxílio deste último, que ao fim de certo tempo a
Terra seria destruída, ainda assim hesitaríamos em atribuir tendências destrutivas ao
próprio cálculo e, portanto, em proscrevê-lo. Nada do que eu disse aqui sobre o valor
de verdade das religiões precisou do apoio da psicanálise; já foi dito por outros muito
antes que a análise surgisse. Se a aplicação do método psicanalítico torna possível
encontrar um novo argumento contra as verdades da religião, tant pis para a religião,
mas os defensores desta, com o mesmo direito, poderão fazer uso da psicanálise para
dar valor integral à significação emocional das doutrinas religiosas. Prossigamos com
nossa defesa. A religião, é claro, desempenhou grandes serviços para a civilização
humana. Contribuiu muito para domar os instintos associais. Mas não o suficiente.
Dominou a sociedade humana por muitos milhares de anos e teve tempo para
demonstrar o que pode alcançar. Se houvesse conseguido tornar feliz a maioria da
humanidade, confortá-la, reconciliá-la com a vida, e transformá-la em veículo de
civilização, ninguém sonharia em alterar as condições existentes. Mas, em vez disso, o
que vemos? Vemos que um número estarrecedoramente grande de pessoas se
mostram insatisfeitas e infelizes com a civilização, sentindo-a como um jugo do qual
gostariam de se libertar; e que essas pessoas fazem tudo que se acha em seu poder
para alterar a civilização, ou então vão tão longe em sua hostilidade contra ela, que
nada têm a ver com a civilização ou com uma restrição do instinto. Nesse ponto, será
objetado contra nós que esse estado de coisas se deve ao próprio fato de a religião ter
perdido parte de sua influência sobre as massas humanas, exatamente por causa do
deplorável efeito dos progressos da ciência. Tomaremos nota dessa admissão e do
motivo que lhe é dado; dela faremos uso posteriormente para nossos próprios fins,
mas a objeção em si não possui força.
É duvidoso que os homens tenham sido em geral mais felizes na época em que as
doutrinas religiosas dispunham de uma influência irrestrita; mais morais certamente
não foram. Sempre souberam como externalizar os preceitos da religião e anular
assim suas intenções.

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