Um clamor desse tipo me seria realmente desagradável, por causa de meus muitos
colaboradores, alguns dos quais, de modo algum, partilham de minha atitude para
com os problemas da religião. A psicanálise, porém, já enfrentou muitas tempestades
e terá agora de arrostar mais essa. Na realidade, a psicanálise constitui um método de
pesquisa, um instrumento imparcial, tal como o cálculo infinitesimal, por assim dizer.
Se um físico descobrisse, com o auxílio deste último, que ao fim de certo tempo a
Terra seria destruída, ainda assim hesitaríamos em atribuir tendências destrutivas ao
próprio cálculo e, portanto, em proscrevê-lo. Nada do que eu disse aqui sobre o valor
de verdade das religiões precisou do apoio da psicanálise; já foi dito por outros muito
antes que a análise surgisse. Se a aplicação do método psicanalítico torna possível
encontrar um novo argumento contra as verdades da religião, tant pis para a religião,
mas os defensores desta, com o mesmo direito, poderão fazer uso da psicanálise para
dar valor integral à significação emocional das doutrinas religiosas. Prossigamos com
nossa defesa. A religião, é claro, desempenhou grandes serviços para a civilização
humana. Contribuiu muito para domar os instintos associais. Mas não o suficiente.
Dominou a sociedade humana por muitos milhares de anos e teve tempo para
demonstrar o que pode alcançar. Se houvesse conseguido tornar feliz a maioria da
humanidade, confortá-la, reconciliá-la com a vida, e transformá-la em veículo de
civilização, ninguém sonharia em alterar as condições existentes. Mas, em vez disso, o
que vemos? Vemos que um número estarrecedoramente grande de pessoas se
mostram insatisfeitas e infelizes com a civilização, sentindo-a como um jugo do qual
gostariam de se libertar; e que essas pessoas fazem tudo que se acha em seu poder
para alterar a civilização, ou então vão tão longe em sua hostilidade contra ela, que
nada têm a ver com a civilização ou com uma restrição do instinto. Nesse ponto, será
objetado contra nós que esse estado de coisas se deve ao próprio fato de a religião ter
perdido parte de sua influência sobre as massas humanas, exatamente por causa do
deplorável efeito dos progressos da ciência. Tomaremos nota dessa admissão e do
motivo que lhe é dado; dela faremos uso posteriormente para nossos próprios fins,
mas a objeção em si não possui força.
É duvidoso que os homens tenham sido em geral mais felizes na época em que as
doutrinas religiosas dispunham de uma influência irrestrita; mais morais certamente
não foram. Sempre souberam como externalizar os preceitos da religião e anular
assim suas intenções.
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