quinta-feira, 3 de junho de 2010

1416 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Mas acho que você mesmo concede maior peso à outra contradição de que me acusa.
Visto os homens serem tão pouco acessíveis aos argumentos razoáveis e tão
completamente governados por seus desejos instintuais, por que tentar privá-los de
uma satisfação instintual e substituí-la por argumentos racionais? É verdade que os
homens são assim, mas você já se perguntou se eles têm de ser assim, se sua natureza
mais íntima tem necessidade disso? Pode um antropólogo fornecer o índice craniano
de um povo cujo costume é deformar a cabeça das crianças enrolando-as com
ataduras desde os primeiros anos? Pense no deprimente contraste entre a inteligência
radiante de uma criança sadia e os débeis poderes intelectuais do adulto médio. Não
podemos estar inteiramente certos de que é exatamente a educação religiosa que tem
grande parte da culpa por essa relativa atrofia? Penso que seria necessário muito
tempo para que uma criança, que não fosse influenciada, começasse a se preocupar
com Deus e com as coisas do outro mundo. Talvez seus pensamentos sobre esses
assuntos tomassem então os mesmos caminhos que os de seus antepassados. Mas não
esperamos por um desenvolvimento desse tipo; introduzimo-la às doutrinas da
religião numa idade em que nem está interessada nelas nem é capaz de apreender sua
significação. Não é verdade que os dois principais pontos do programa de educação
infantil atualmente consistem no retardamento do desenvolvimento sexual e na
influência religiosa prematura? Dessa maneira, à época em que o intelecto da criança
desperta, as doutrinas da religião já se tornaram inexpugnáveis. Mas acha você que é
algo conducente ao fortalecimento da função intelectual o fato de um campo tão
importante lhe ser fechado pela ameaça do fogo do Inferno? Quando outrora um
homem se permitia aceitar sem crítica todos os absurdos que as doutrinas religiosas
punham à sua frente, e até mesmo desprezar as contradições existentes entre elas, não
precisamos ficar muito surpresos com a debilidade de seu intelecto. Não dispomos,
porém, de outros meios de controlar nossa natureza instintual, exceto nossa
inteligência. Como podemos esperar que pessoas que estão sob domínio de proibições
de pensamento atinjam o ideal psicológico, o primado da inteligência? Você sabe
também que se diz que em geral as mulheres padecem de “debilidade mental
fisiológica”, isto é, de uma inteligência inferior à dos homens. O fato em si é discutível,
e sua interpretação, duvidosa; contudo, um argumento em favor de essa atrofia
intelectual ser de natureza secundária é o de que as mulheres vivem penando sob o
rigor de uma proibição precoce que as impede de voltarem seus pensamentos para o
que mais lhes interessaria, isto é, os problemas da vida sexual. Enquanto os primeiros
anos da vida de uma pessoa forem influenciados não só por uma inibição sexual
mental, mas também por uma inibição religiosa, e por uma inibição leal derivada
desta última, não podemos realmente dizer a que ela se assemelha.
Mas moderarei meu zelo e admitirei a possibilidade de que também eu esteja
perseguindo uma ilusão. Talvez o efeito da proibição religiosa do pensamento não seja
tão negativo quanto suponho; talvez acontecesse que a natureza humana
permanecesse a mesma, ainda que não se abusasse da educação para submeter as
pessoas à religião. Não sei, e tampouco você pode saber. Não são apenas os grandes
problemas da vida que atualmente parecem insolúveis; muitas questões menores
também são difíceis de responder. Mas você tem de admitir que, aqui, estamos
justificados em ter esperanças no futuro – a de que talvez exista, ainda a ser
desenterrado, um tesouro capaz de enriquecer a civilização, e de que vale a pena fazer
a experiência de uma educação não religiosa. Se ela se mostrar insatisfatória, estou
pronto a abandonar a reforma e voltar a meu juízo anterior, puramente descritivo, de
que o homem é uma criatura de inteligência débil, governada por seus desejos
instintuais.

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