quinta-feira, 3 de junho de 2010

1443 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Conheço as objeções que serão levantadas contra essas afirmações. Dir-se-á que a
característica das massas humanas aqui retratada, a qual se supõem provar que a
coerção não pode ser dispensada no trabalho da civilização, constitui, ela própria,
apenas o resultado de defeitos nos regulamentos culturais, falhas devido às quais os
homens se tornaram amargurados, vingativos e inacessíveis. Gerações novas, que
forem educadas com bondade, ensinadas a ter uma opinião elevada da razão, e que
experimentarem os benefícios da civilização numa idade precoce, terão atitude
diferente para com ela. Senti-la-ão como posse sua e estarão prontas, em seu benefício,
a efetuar os sacrifícios referentes ao trabalho e à satisfação instintual que forem
necessários para sua preservação. Estarão aptas a fazê-lo sem coerção e pouco
diferirão de seus líderes. Se até agora nenhuma cultura produziu massas humanas de
tal qualidade, isso se deve ao fato de nenhuma cultura haver ainda imaginado
regulamentos que assim influenciem os homens, particularmente a partir da infância.
Pode-se duvidar de que seja de algum modo possível, pelo menos até agora, no
presente estágio de nosso controle sobre a natureza, estabelecer regulamentos
culturais desse tipo. Pode-se perguntar de onde virão esses líderes superiores,
inabaláveis e desinteressados, que deverão atuar como educadores das gerações
futuras, e talvez seja alarmante pensar na imensa quantidade de coerção que
inevitavelmente será exigida antes que tais intenções possam ser postas em prática. A
grandiosidade do plano e sua importância para o futuro da civilização humana não
podem ser discutidas. É algo firmemente baseado na descoberta psicológica segundo a
qual o homem se acha aparelhado com as mais variadas disposições instintuais, cujo
curso definitivo é determinado pelas experiências da primeira infância.
Mas, pela mesma razão, as limitações da capacidade de educação do homem
estabelecem limites à efetividade de uma transformação desse tipo em sua cultura.
Pode-se perguntar se, e em que grau, seria possível a um ambiente cultural diferente
passar sem as duas características das massas humanas que tornam tão difícil a
orientação dos assuntos humanos. A experiência ainda não foi feita. Provavelmente
uma certa percentagem da humanidade (devido a uma disposição patológica ou a um
excesso de força instintual) permanecerá sempre associal; se, porém, fosse viável
simplesmente reduzir a uma minoria a maioria que hoje é hostil à civilização, já muito
teria sido realizado – talvez tudo o que pode ser realizado.
Não gostaria de dar a impressão de me ter extraviado da linha estabelecida para
minha investigação, ver em [[1]]. Permitam-me, portanto, fornecer a garantia
expressa de que não tenho a menor intenção de formular juízos sobre o grande
experimento em civilização que se encontra hoje em desenvolvimento no imenso país
que se estende entre a Europa e a Ásia. Não possuo conhecimento especial nem
capacidade de decidir sobre sua praticabilidade para testar a adequação dos métodos
empregados ou medir a amplitude do inevitável hiato existente entre intenção e
execução. O que lá está em preparo, mostra-se inacabado, tornando, portanto,
baldada uma investigação para a qual nossa própria civilização, há longo tempo
consolidada, nos fornece material.

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