quinta-feira, 3 de junho de 2010

1428 O FUTURO DE UMA ILUSÃO


Quando digo que todas essas coisas são ilusões, devo definir o significado da palavra.
Uma ilusão não é a mesma coisa que um erro; tampouco é necessariamente um erro.
A crença de Aristóteles de que os insetos se desenvolvem do esterco (crença a que as
pessoas ignorantes ainda se aferram) era um erro; assim como a crença de uma
geração anterior de médicos de que a tabes dorsalis constitui resultado de excessos
sexuais. Seria incorreto chamar esses erros de ilusões. Por outro lado, foi uma ilusão
de Colombo acreditar que descobriu um novo caminho marítimo para as Índias. O
papel desempenhado por seu desejo nesse erro é bastante claro. Pode-se descrever
como ilusão a asserção feita por certos nacionalistas de que a raça indo-germânica é a
única capaz de civilização, ou a crença, que só foi destruída pela psicanálise, de que as
crianças são criaturas sem sexualidade. O que é característico das ilusões é o fato de
derivarem de desejos humanos. Com respeito a isso, aproximam-se dos delírios
psiquiátricos, mas deles diferem também, à parte a estrutura mais complicada dos
delírios. No caso destes, enfatizamos como essencial o fato de eles se acharem em
contradição com a realidade. As ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou
seja, irrealizáveis ou em contradição com a realidade. Por exemplo, uma moça de
classe média pode ter a ilusão de que um príncipe aparecerá e se casará com ela. Isso é
possível, e certos casos assim já ocorreram. Que o Messias chegue e funde uma idade
de ouro é muito menos provável. Classificar-se essa crença como ilusão ou como algo
análogo a um delírio dependerá da própria atitude pessoal. Exemplos de ilusões que
mostraram ser verdadeiras não são fáceis de encontrar, mas a ilusão dos alquimistas
de que todos os metais podiam ser transformados em ouro poderia ser um deles. O
desejo de possuir uma grande quantidade de ouro, tanto ouro quanto possível, foi, é
verdade, em grande parte arrefecido por nosso conhecimento atual dos fatores
determinantes da riqueza, mas a química não mais encara a transmutação dos metais
em ouro como impossível. Podemos, portanto, chamar uma crença de ilusão quando
uma realização de desejo constitui fator proeminente em sua motivação e, assim
procedendo, desprezamos suas relações com a realidade, tal como a própria ilusão não
dá valor à verificação.
Havendo estabelecido desse modo nossas coordenadas, retornemos à questão das
doutrinas religiosas. Podemos agora repetir que todas elas são ilusões e insuscetíveis
de prova.
Ninguém pode ser compelido a achá-las verdadeiras, a acreditar nelas. Algumas são
tão improváveis, tão incompatíveis com tudo que laboriosamente descobrimos sobre a
realidade do mundo, que podemos compará-las – se consideramos de forma
apropriada as diferenças psicológicas – a delírios. Do valor de realidade da maioria
delas não podemos ajuizar; assim como não podem ser provadas, também não podem
ser refutadas.
Conhecemos ainda muito pouco para efetuar sua abordagem crítica. Os enigmas do
universo só lentamente se revelam à nossa investigação; existem muitas questões a que
a ciência atualmente não pode dar resposta. Mas o trabalho científico constitui a única
estrada que nos pode levar a um conhecimento da realidade externa a nós mesmos. É,
mais uma vez, simplesmente uma ilusão esperar qualquer coisa da intuição e da
introspecção; elas nada nos podem dar, a não ser detalhes sobre nossa própria vida
mental, detalhes difíceis de interpretar, nunca qualquer informação sobre as
perguntas que a doutrina religiosa acha tão fácil responder. Seria insolente permitir
que nossa própria vontade arbitrária ingressasse na questão e, de acordo com nossa
estimativa pessoal, declarasse esta ou aquela parte do sistema religioso como mais ou
menos aceitável. Tais questões são momentosas demais para isso; poderiam ser
chamadas de demasiadamente sagradas. Nesse ponto, é de esperar que se encontre
uma objeção. “Bem, então, se mesmos os céticos impenitentes admitem que as
asserções da religião não podem ser refutadas pela razão, por que não devo acreditar
nelas, já que possuem tanta coisa de seu lado – a tradição, a concordância da
humanidade, e todas as consolações que oferecem?” De fato, por que não?
Assim como ninguém pode ser forçado a crer, também ninguém pode ser forçado a
descrer.

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